Turma de Licenciatura Plena em Geografia EAD 2013- Uniube

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Geografia Uniube EAD 2013

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A ALCA - ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS

A ALCA - ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS
Estamos prestes a tomar uma importante decisão, trata-se da adesão ou não do Brasil à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), grande parte dos brasileiros tem rejeitado a tal adesão, no entanto, outros tem se mantido favorável. O texto abaixo embora seja bastante longo traz importantes análises de políticos e personalidades brasileiras quanto ao tema, fornecendo ainda importantes informações para que possamos nos conscientizar dos principais aspectos da Alca, leia-o com atenção reflita e posteriormente como cidadão elabore sua própria opinião sobre a Alca.
"A NOSSA PÁTRIA MÃE TÃO DISTRAÍDA
SEM PERCEBER QUE ERA SUBTRAÍDA
EM TENEBROSAS TRANSAÇÕES."
CHICO BUARQUE

EUA pretendem recolonizar as Américas com a Alca
A Alca - Área de Livre-Comércio das Américas - é um acordo imposto pelos EUA com o objetivo de estabelecer o livre-comércio entre todas as nações do continente americano, à exceção de Cuba. A Alca abrangerá um território de 42,5 milhões de Km², com uma população de cerca de 836 milhões de pessoas. O PIB (produto interno bruto) seria de cerca de 12,54 trilhões de dólares, o que faz dela o maior bloco econômico do mundo. Os EUA pretendem ser proprietários exclusivos desse mercado, uma que o país corresponde a 78% desse PIB.
Através da Alca, qualquer empresa poderá vender seus produtos e serviços em todos os países. Isso favorecerá as grandes corporações norte-americanas em detrimento das empresas dos países em desenvolvimento.
Muitos acreditam que a Alca é apenas um acordo comercial. No entanto, ela é um processo muito mais complexo, cujo o livre-comércio é apenas um dos itens de discussão dos nove grupos de trabalho.

História do Projeto Alca
A proposta da Alca foi lançada na 1ª Cúpula das Américas, em Miami, em dezembro de 1994. O então presidente dos EUA, Bill Clinton, comprometeu-se a concretizar uma integração entre os países das Américas que se baseasse no NAFTA (Acordo de Livre-Comércio da América do Norte)
Na 2ª Cúpula das Américas, foram organizados grupos de trabalho que negociam os termos da implantação do Acordo. Na 3ª edição do encontro, foi decidido que até dezembro de 2005, no máximo, a ALCA entraria em vigor. Entretanto, os EUA pressionam para que essa data seja adiantada para abril de 2003, quando ocorrerá a 4ª Cúpula, em Buenos Aires.
Américas possuem 35 países e 17 territórios
O continente americano ocupa uma área de 42.560.270 km2. Fazem parte dele 35 países e 17 territórios. Está dividido em três regiões: do Norte, Central e do Sul.

Propostas dos Grupos de Trabalho da Alca
Para possibilitar a implantação da ALCA, a 2ª Cúpula das Américas organizou nove grupos de trabalho que negociam os termos de sua implantação. Veja abaixo, a declaração de suas funções e o que há por trás delas:

  1. Serviços: educação, saúde, etc.
    Proposta:
    Estabelecer matérias para liberalizar o comércio em serviços, visando desenvolver uma estrutura que inclua direitos e obrigações abrangentes em serviços.
    O que há por trás:
    Não limita a ação dos governos em todas as políticas públicas de serviços, até mesmo saúde. Além disso, ao fazer licitações para a aquisição de serviços, liberada para a concorrência de empresas estrangeiras, os governos serão impedidos de promover políticas de apoio à indústria nacional.
  2. Investimento
    Proposta:
    Estabelecer uma estrutura legal que vise incentivar o investimento por meio da criação de um ambiente estável e previsível que proteja o investidor, seus movimentos e afins.
    O que há por trás:
    Os poderes serão concedidos às empresas privadas, permitindo-lhes contestar todos regulamentos e atividades dos governos. As empresas podem até pedir punições aos governos quando se julgarem prejudicadas.
  3. Contratos públicos do governo
    Proposta:
    Aumentar o acesso aos mercados de contratos públicos nos países da ALCA.
    O que há por trás:
    As licitações dos governos para a aquisição de serviços serão liberadas para a concorrência de empresas estrangeiras e eles serão impedidos de promover políticas de apoio à indústria nacional.
  4. Acesso ao mercado
    Proposta:
    Eliminação das tarifas alfandegárias e obstáculos não-tarifários
    O que há por trás:
    Entre os itens considerados não-tarifários estão as legislações trabalhista e ambiental. Com o acordo, os limites impostos pelas leis obrigatoriamente serão flexibilizados. Essa medida já foi adotada no NAFTA. Recentemente, o Canadá impediu que uma distribuidora de gasolina norte-americana atuasse no país por causa dos alto índices de chumbo contidos em seu produto. O governo canadense não só foi obrigado a indenizar a empresa em 13 milhões como retirar a exigência do nível do chumbo, elemento nocivo ao meio ambiente e à saúde.
  5. Agricultura
    Proposta:
    Disciplinar práticas agrícolas que desvirtuem o comércio e garantir que não se utilizem de medidas sanitárias e fitosanitárias.
    O que há por trás:
    O tipo de medida a ser condenada é como as que barram os agrotóxicos e os transgênicos porque seriam uma "restrição ao livre-comércio".
  6. Direitos da propriedade intelectual
    Proposta:
    Reduzir as deturpações existentes no comércio, fomentar e garantir a proteção adequada e eficaz dos direitos de propriedade intelectual
    O que há por trás:
    Entre os direitos de propriedade estão incluídos o patenteamento de medicamentos, plantas, animais e sementes.
  7. Subsídios, antidumping e direitos de compensação
    Proposta:
    Examinar maneiras de aprofundar as matérias existentes estabelecidas no Acordo sobre subsídios e medidas de compensação que visem não criar obstáculos ao comércio.
    O que há por trás:
    O acordo da OMC estabelece limites às políticas de desenvolvimento dos governos. Ela impedirá que os países pobres promovam políticas de apoio à industria nacional.
  8. Política de competição
    Proposta:
    Garantir que os benefícios do processo de liberalização da Alca não sejam prejudicados por práticas comerciais anticompetitivas.
    O que há por trás:
    Na verdade, os Estados serão forçados a quebrar os monopólios, mesmo em áreas que considerem estratégicas, como é o caso da Petrobrás no Brasil.
  9. Resolução de disputas
    Proposta:
    Fundar um mecanismo eficaz para a resolução de disputas entre os países da Alca.
    O que há por trás:
    Esse mecanismo seria um tribunal com sede em Nova Iorque. Ele é quem decidiria se a prática ou política de um país é um "obstáculo para o comércio". Em favor dos interesses diversos, teria poder para anular leis, políticas e programas de um país. Além disso, poderá sentenciá-los ao pagamento de indenizações e outras medidas punitivas.
História do Imperialismo dos EUA nas Américas
Os EUA se fundaram como nação, em 1776, após uma guerra de independência contra a maior potência imperialista da época, a Inglaterra. Desde então, se proclamam modelo de nação.
Doutrina Monroe
Em meio à onda de emancipação das colônias da América, o Congresso norte-americano aprovou, em 1823, um documento conhecido como Doutrina Monroe. Nele, os EUA se colocavam como protetores das nações latino-americanas frente aos impérios europeus. Desde então, a Doutrina Monroe passou a servir de pretexto para as mais variadas intervenções norte-americanas no continente.
Corolário Roosevelt
No início do século 20, o presidente dos EUA Theodore Roosevelt inaugurou uma nova fase imperialista. Se a Doutrina Monroe era uma negação da intervenção européia na América, o Corolário Roosevelt era uma afirmação dos direitos dos EUA intervirem na política latino-americana. Em maio de 1901, Roosevelt se expressa assim: "O erro de um governo latino-americano exige a intervenção de outra nação civilizada", fazendo com que a "fidelidade dos EUA à doutrina Monroe nos leve exercer o poder de uma polícia internacional".
As intenções imperialistas de Roosevelt tornaram-se ainda mais claras ao inaugurar a política do Big stick (grande porrete). Atribui-se ao presidente americano a frase de que nas negociações deve-se "falar macio e usar um grande porrete". O primeiro exemplo foi o caso do Panamá, então pertencente à Colômbia. A França havia adquirido o direito para a construção de um canal que ligasse o oceano Pacífico ao Atlântico, mas a empresa construtora faliu. Os EUA consideravam o projeto fundamental. Quando a Colômbia impôs algumas condições, os norte-americanos fomentaram a independência panamenha em 1903. O canal foi construído pelos EUA, que exerceram um protetorado total sobre a área até o ano de 2000.
Seja através do poder militar ou através da pressão econômica, os EUA continuam acreditando em seu direito de decidir o que é melhor para as demais nações americanas. Com isso construíram uma história imperialista

Principais intervenções dos EUA na América Latina
1846 - O México sofreu enormes perdas territoriais para os norte-americanos. A Guerra da Anexação desencadeou a ocupação do Texas (área de 690 mil Km²) e da Califórnia (411 mil Km²) pertencentes ao México.
1903 - Interessados na construção e no controle do Canal que uniria o Oceano Pacífico ao Atlântico, os EUA articulam a independência do Panamá, até então pertencente à Colômbia.
1915 - O Haiti é invadido e dominado por 19 anos, pelos EUA, com o propósito de "instaurar" uma democracia.
1916 - Os EUA intervêm na República Dominicana e lá permanecem até 1924.
1921 - El Salvador é invadido pelos norte-americanos.
1924 - O novo presidente de Honduras é designado a bordo do encouraçado norte-americano Tacoma.
1925 - Tropas dos EUA saem da Nicarágua após treze anos de ocupação. Porém, em dezembro de 1926, desembarcaram novamente com dois mil soldados.
1954 - Aviões norte-americanos bombardeiam as cidades de Porto Barrio e Porto São José, na Guatemala.
1961 - O presidente John Kennedy ordena que a CIA organize uma invasão em Cuba. A fracassada tentativa é conhecida como o "Ataque à baia dos Porcos".
1964 - Militares e grupos de direita dão um golpe de estado no Brasil. Documentos liberados nos últimos anos, pelo governo dos EUA, confirmam que os Estados Unidos deram total apoio aos golpistas.
1965 - Uma tropa composta por 35 mil fuzileiros norte-americanos desembarcam na República Dominicana com o pretexto de impedir a "escalada comunista".
1970 - Nesta década, os povos do Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai, Uruguai e Argentina sofrem os horrores da "Operação Condor". Esta, planejada pelos EUA, tinha por objetivo reprimir quaisquer movimentos de libertação locais.
1973 - Os EUA patrocinam o golpe de Estado no Chile que depõe o presidente socialista Salvador Allende.
1983 - Cerca de dois mil soldados americanos desembarcam na ilha de Granada, no Caribe. O objetivo alegado para a invasão é impedir a expansão do comunismo na América Latina.
1985 - Escândalo Irã-Contra: os EUA vendem armas para terroristas libaneses no Irã, então em guerra com o Iraque. Os lucros obtidos eram destinados ao financiamento dos contra-revolucionários da Nicarágua.
1989 - Os EUA invadem o Panamá com 36 mil fuzileiros. Nessa oportunidade, aproveitaram para prender o presidente Manoel Noriega. Ele foi conduzido até a Flórida, onde foi sentenciado à prisão perpétua.
1991 - A CIA infiltrou-se na República Dominicana e comandou o afastamento do presidente Aristide.
1994 - O presidente Americano Bill Clinton propõe a criação da Alca.
2002 - Os EUA articulam um fracassado golpe de Estado na Venezuela para tentar derrubar o presidente anti-EUA Hugo Chávez.

EUA buscam expandir sua dominação nas Américas.
Os EUA querem, com a Alca, ampliar ainda mais seu império no continente americano. Não bastasse concentrarem quase 80% de toda riqueza produzida nas Américas, os EUA desejam mais, muito mais.
Fatos recentes demonstram que os EUA preparam várias estratégias para alcançar este objetivo. São estratégicas para as áreas política, econômica, militar e ideológica.

Exemplos disso, não faltam:

  • O recente apoio dado aos golpistas na Venezuela em abril, quando queriam depor um presidente eleito democraticamente pelo povo;
  • A exigência do FMI, Fundo Monetário Internacional, de que os candidatos à presidência do Brasil assinassem um documento se comprometendo em obedecer as diretrizes do Fundo;
  • O envio de verbas para a destruição da Colômbia, a pretexto de combater o narcotráfico local.
Riqueza dos EUA ameaça soberania dos demais países
Para se ter uma noção do que poderá acontecer as economias do Brasil e dos demais países das Américas, com a implantação da Alca, basta analisar o PIB de cada país/território da região. O PIB - Produto Interno Bruto - é o somatório de todas as riquezas produzidas por um país. Através do PIB, onde-se verificar a força de determinada economia e se esta poderá fazer frente à dos EUA.
Vejam alguns números:

  • O PIB das Américas do ano 2000 ficou em US$ 12,54 trilhões;
  • Os EUA concentram 78% deste total. Ou seja, eles ficam com 78 de cada 100 dólares gerados na região;
  • Apenas quatro países (Canadá, Brasil, México e Argentina) tem um PIB significativo. Mesmo assim, representam apenas 17% do total.
  • Os demais 47 países e territórios produzem apenas 4,5% do PIB.
  • EUA têm 33% da população e 78% das riquezas.
  • Quando se compara o PIB com a população da região, o poderio dos EUA torna-se mais explícito:
    • Os EUA, com 33% da população das Américas, produz 78% de toda riqueza gerada;
    • Canadá, Brasil, México e Argentina têm 41% da população do continente, mas produzem apenas 17% da riqueza total;
    • E no último patamar econômico estão os demais 47 países e territórios, que possuem 25% da população total, mas são responsáveis por um PIB de apenas 5% de toda riqueza regional.
  • PIB está concentrado em apenas 22% das américas
    • Os EUA ocupam 2 de cada 10 Km2 das Américas e têm 3 de cada 10 habitantes. Enquanto isso, 8 de cada 10 dólares produzidos em todo continente ficam concentrados nos Estados Unidos.
Países das Américas têm PIB inferior aos estados dos EUA
Ao se comparar o PIB dos EUA com os demais países das Américas já se nota o abismo que os separam. Afinal de contas, os Estados Unidos concentram 78% de toda riqueza produzida no continente americano. Aos demais 51 países e territórios, cabem o restante, apenas 22%.
Mas ao analisar os dados do PIB de cada estado dos EUA, verifica-se que esta concentração de riquezas mantém-se. Para isso, basta analisar o ranking do PIB que engloba os estados dos EUA, em separado, e dos demais países das Américas.
As três maiores economias seriam dos estados da Califórnia, New York e Texas. Entre as 20 maiores economias, 16 seriam dos estados dos EUA.
Somente na 4ª colocação apareceria o Canadá, vindo na seqüência o Brasil e o México. O outro país que figura nesta lista seria a Argentina, que viria apenas em 14º.

Governo dos EUA quer legitimar sua intervenção política
Os EUA querem manter sobre a América Latina o controle geopolítico e estruturar um organismo das Américas para legitimar a sua intervenção política. Para isso, pretender alinhar a política externa dos países latino-americanos à sua. Também buscam o apoio dos países para suas iniciativas dentro dos organismos internacionais ou fora deles. Para conseguir isto, vale tudo. Desde manter regimes democráticos a autoritários. Desde que garantam a liberdade de ação dos interesses dos EUA. A Alca viria a consolidar ainda mais essa estratégia.
Exemplo claro dessa estratégia, foi o apoio inconfesso dos EUA ao frustrado golpe militar contra o governo de Hugo Chávez, na Venezuela, neste ano. Na época, os Estados Unidos saudou o golpe, enquanto a maioria dos países latinos-americanos manifestou desconforto ao ato.
Segundo o New York Times, um dos maiores jornais dos EUA, US$ 2 milhões de dólares teriam sido enviados para grupos golpistas venezuelanos. A origem desse dinheiro seria de uma entidade financiada pelo Congresso dos Estados Unidos para "promover a democracia" no mundo. Esta entidade repassava o dinheiro para diversas outras associações, cujo objetivo específico era acabar com o governo Chávez. Uma parte do dinheiro, foi usada para promover a instabilidade no governo Chávez e a outra para formação de partidos políticos de oposição.
Um dos motivos dos EUA ter tanto interesse na Venezuela e não simpatizar com Chávez é o fator 'petróleo'. A Venezuela é o terceiro fornecedor de petróleo para os EUA (15% da produção). E é do interesse dos Estados Unidos que essa produção aumente. Mas Chávez não o faz. Ele prefere seguir o acordo firmado com a OPEP (Organização de Países Exportadores de Petróleo) que, em 2001, que reduziu a produção de petróleo.

Alca ameaça o desenvolvimento econômico das nações
O governo dos EUA quer manter os mercados latino-americanos abertos para suas exportações, em especial industriais, e seus investimentos - por meio da defesa das teorias econômicas liberais e do livre-comércio. Faz também parte central de sua estratégia o combate à ação dos estados latino-americanos como promotores do desenvolvimento.
Com a Alca será estabelecido um território econômico único nas Américas, com livre-circulação de bens, serviços e capitais. Porém, sem livre-circulação de mão-de-obra, em especial a menos qualificada. Gradualmente, o dólar seria adotado como moeda hemisférica, cuja emissão e circulação ficaria sob exclusivo controle norte-americano.
O Acordo busca consolidar os vínculos de dependência jurídica de todos os Estados latino-americanos com os EUA. Esses vínculos forçariam uma adaptação da legislação e das instituições dos diversos países ao modelo dos Estados Unidos, para facilitar a atuação de suas multinacionais. Os países estariam impedidos de modificar suas políticas econômicas, bem como adotar políticas disciplinadoras dos fluxos dos bens de capital.

Mídia dos EUA manipulam população latino-americana
Os EUA querem ser o modelo para os demais países do continente. Para isto, apóiam a criação e a existência de grupos nacionais simpatizantes de suas idéias e de suas políticas. Essas, por sua vez, garantem canais de divulgação do "modo de vida do povo dos Estados Unidos": cinema, televisão, mídia em geral.
Essa estratégia ideológica já vem sendo usada há anos. Segundo o livro "Showrnalismo, a notícia como espetáculo", de José Arbex Jr., entre 1984 e 1998, das 130 mil horas de programas veiculados na Europa, somente 25 mil eram de produções européias. Mais da metade da programação provinha dos EUA, assim como 60% dos filmes exibidos. Em 1990, a CNN Internacional, a MTV e a ESPN (canais de TV dos EUA) já eram distribuídas em vários continentes. A CNN, em 1991, chegou a 91 países.
Nesse mesmo ano, os EUA respondiam por 77% da programação das TVs latino-americanas, exportando 150 mil horas de filmes, seriados, desenhos animados, esportes e variedades.

Forças Armadas das Américas são controladas pelos EUA
Objetivo do Estados Unidos é manter as Américas como zona de influência militar exclusiva deles. Essa meta seria alcançada por meio da influência sobre o pensamento estratégico militar, de programas de formação de oficiais, de acordos de venda de armamentos, da manutenção da defasagem tecnológica das Forças Armadas e da garantia do acesso preferencial às matérias-primas da região.
O Plano Colômbia, proposto pelo governo norte-americano para enfrentar o narcotráfico, é um exemplo dessa estratégia. Com o interesse no petróleo e riquezas da região amazônica e sob o pretexto de acabar com o tráfico de drogas, os EUA dão dinheiro e armas ao governo colombiano e organizam operações militares. Em fevereiro deste ano, o governo Bush anunciou que pretendia dar US$ 98 milhões para treinar a brigada colombiana.
Além da Colômbia, os EUA já têm bases militares no Equador, Peru e El Salvador. O acordo sobre a base de Alcântara, no Maranhão, dá seqüência a essa estratégia militar deles.

Base brasileira pode se tornar área militar dos EUA
Em outubro de 2000, o governo FHC assinou um acordo com o governo dos Estados Unidos para cessão da área da Base de Lançamento de Alcântara, Maranhão. Pelo acordo, os EUA passam a controlá-la e as autoridades brasileiras não podem nem ao menos monitorá-la. Ou seja, Os norte-americanos assumem uma parte do território brasileiro, com sérias conseqüências para as comunidades locais e para a soberania nacional.
Qual a área da Base
O Centro de Lançamento de Alcântara é um complexo de 620 km². Para se ter uma idéia é uma área quase duas vezes maior que todo o município de Belo Horizonte, que tem 330,9 km². Caso o controle passe para os EUA, será uma das maiores bases norte-americanas fora de seu território, cinco vezes maior do que a de Guantânamo, em Cuba.
Soberania da Amazônia ameaçada
Analistas advertem que o verdadeiro objetivo do governo dos Estados Unidos não é apenas fazer lançamentos de foguetes, mas utilizar a área também para fins militares. A estratégia dos EUA na Amazônia já inclui bases militares instaladas na Bolívia, Equador e Colômbia, e podem ser articuladas com informações provenientes do Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), programado por empresas dos EUA. A soberania de toda a região amazônica e o controle de suas riquezas, portanto, está ameaçada.
Histórico
Em 1982 o governo brasileiro criou a base de lançamentos de foguetes no município de Alcântara. Desapropriou, com decreto de interesse público, uma área de 520 km². Foram atingidas em torno de 500 famílias que sobreviviam da pesca no litoral e da agricultura de subsistência. Em 1990, o governo Collor ampliou a base com o decreto de desapropriação de mais 100 km², totalizando 620 km².
Dia da votação do acordo ainda não está definido
Em março de 2002, o acordo para cessão aos EUA da base de Alcântara foi encaminhado para Comissão de Constituição e Justiça. Dois meses depois, o relator, deputado Zenaldo Coutinho (PSDB-PA), pediu mais tempo para analisar os pareceres da Comissão de Relações Exteriores e da Comissão de Ciência e Tecnologia. Desde então, a data para votação do acordo, no Congresso Nacional, ainda não foi definida.
Segundo a Constituição Brasileira, qualquer acordo internacional precisa da aprovação do Congresso para entrar em vigor. Em 2001, o governo brasileiro enviou o acordo já assinado, para aprovação. Caberá, agora, aos deputados decidirem se submetem o Brasil aos interesses militares dos EUA ou não. É por isso, que é importante demostrarmos que não concordamos em entregar nosso país aos estrangeiros, no Plebiscito sobre a Alca e Base de Alcântara, que foi realizado de 1º a 7 de setembro deste ano.
EUA alugam a base e definem como Brasil pode usá-la
O acordo assinado entre o Brasil e o EUA, para cessão da área da base de Alcântara, fere a soberania do povo brasileiro. Por US$ 30 milhões anuais, os Estados Unidos usarão o local como se fosse parte do seu próprio país. Várias cláusulas do acordo impõe restrições a entrada de brasileiros na base. Também definem que países inimigos dos EUA não poderão lançar foguetes de lá. E mais grave ainda: os cientistas brasileiros não poderão ter acesso à tecnologia dos Estados Unidos, utilizada no local. Leia, abaixo, alguns destes artigos:
Observações:
CLA - Centro de Lançamento de Alcântara
MTCR - Regime de Controle de Tecnologias Mísseis
Artigo III, número 1, inciso B:
"O Brasil não permitirá o ingresso significativo, qualitativa ou quantitativamente, de equipamentos, tecnologias, mão-de-obra, ou recursos financeiros, no CLA, provenientes de países que não sejam membros do MTCR".
Artigo III, número 1, inciso E:
"O Brasil não utilizará recursos obtidos de Atividades de Lançamento em programas de aquisição, desenvolvimento, produção, teste, liberação, ou uso de foguetes ou de sistemas de veículos aéreos não tripulados".
Artigo III, número 1,inciso F:
"O Brasil firmará acordos juridicamente mandatórios com outros governos que tenham jurisdição ou controle sobre entidades substancialmente envolvidas em Atividades de Lançamento. O objetivo principal e os dispositivos de tais Acordos deverão ser equivalentes àqueles contidos neste Acordo."
Artigo III, parágrafo A:
o Brasil "Não permitirá o lançamento, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, de Cargas Úteis ou Veículos de Lançamento Espacial de propriedade ou sob controle de países os quais, na ocasião do lançamento, estejam sujeito a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou cujos governos, a juízo de qualquer das Partes, tenham dado, repetidamente, apoio a atos de terrorismo internacional".
Artigo IV, parágrafo 3:
"Em qualquer Atividade de Lançamento, as Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar que os Participantes Norte-americanos mantenham o controle sobre os Veículos de Lançamento, Espaçonaves , Equipamentos Afins e Dados Técnicos, a menos que de outra forma autorizado pelo Governo dos Estados Unidos da América. Para tal finalidade, o Governo da República Federativa do Brasil manterá disponível no Centro de Lançamento de Alcântara áreas restritas para o processamento, montagem, conexão e lançamento dos Veículos de Lançamento e Espaçonaves por Licenciados Norte-americanos e permitirá que pessoas autorizadas pelo Governo dos Estados Unidos da América controlem o acesso a essas áreas."
Artigo V, parágrafo 1:
"Este Acordo não permite, e o Governo do Estados Unidos da América proibirá, que Participantes Norte-americanos prestem qualquer assistência aos Representantes Brasileiros no concernente ao projeto, desenvolvimento, produção, operação, manutenção, modificação, aprimoramento, modernização ou reparo de Veículos de Lançamento, Espaçonaves e/ou Equipamentos Afins"
Artigo VI, número 3:
"servidores do Governo dos EUA... terão livre acesso, a qualquer tempo, para inspecionar Veículos de Lançamento, Espaçonaves e Equipamentos Afins... nas instalações exclusivamente reservadas para trabalhos com Veículos de Lançamento e Espaçonaves" e que "o Governo dos EUA terá o direito de inspecionar e monitorar, inclusive eletronicamente por meio de circuitos fechados de televisão...todas as áreas...onde Veículos de Lançamento, Espaçonaves, Equipamentos Afins e Dados Técnicos estejam localizados". "Tais inspeções... poderão ocorrer sem prévio aviso ao Governo do Brasil".
Artigo VII, número 1, inciso B:
"Quaisquer Veículos de Lançamento, Espaçonaves e Equipamentos Afins transportados para o Brasil e acondicionados em "containers" lacrados não serão abertos para inspeção enquanto estiverem em território brasileiro".
Artigo VIII, número 3, alínea B:
No caso de falhas de lançamento, "O Governo do Brasil assegurará a imediata restituição aos Participantes Norte-Americanos de todos os componentes e/ou escombros identificados dos Veículos de Lançamento, Espaçonaves, Equipamentos Afins...sem que tais componentes ou escombros sejam estudados ou fotografados de nenhuma maneira."

Países latino-americanos terão suas economias dizimadas
Não se trata de nenhuma profecia apocalíptica. A implantação da Alca destruirá as últimas barreiras que protegem as economias de cada país latino-americano. Isto porque o "livre-comércio" e a "livre-concorrência" permitirão que as grandes corporações dos EUA concorram, de forma desleal, e ganhem o mercado das pequenas empresas latino-americanas.
O desastre atingirá a todos: empresários, trabalhadores, estudantes, artistas e funcionários públicos. Todos os bens e serviços que forem lucrativos serão conquistados pelas corporações dos EUA. Aos brasileiros, argentinos, haitianos e venezuelanos sobrarão apenas os negócios pouco lucrativos e um poder público sem recursos para investir em saúde, educação, habitação, transporte...

Compare e ... espante-se
A concorrência desleal pode ser comprovada. Basta analisar a lista das 500 maiores corporações empresariais mundiais, divulgada pelo jornal inglês Financial Times. Quase metade das empresas são dos EUA. A maior parte das empresas de informática, de venda a varejo, farmacêuticas e de tecnologia da informação são deles também.

Transnacionais acabarão com empresas nacionais
Com a implantação da Alca não existiriam mais fronteiras para o capital nas Américas, pois as tarifas alfandegárias seriam abolidas. Essas tarifas são uma forma de um país defender sua produção da concorrência estrangeira.
Assim, um produto importado paga tarifas ao entrar em outro país, o que o torna mais caro que o produto feito no próprio país.
Com o fim das tarifas, um produto importado dos EUA poderá ser vendido no Brasil pelo mesmo preço comercializado no país de origem. Em um primeiro momento, a proposta parece boa, pois as grandes empresas têm uma produtividade elevada, tornando assim seus produtos baratos. Porém, esse preço mais barato arrasará as empresas nacionais que não possuem a mesma estrutura. Exatamente o que a Parmalat fez com os pequenos produtores de leite.
Este desmonte das empresas nacionais já vem ocorrendo desde a implantação dos planos neoliberais no governo Collor, 1990. A redução de tarifas para entrada de produtos importados já destruiu, por exemplo, a indústria de computadores que começou a surgir no Brasil e o setor industrial de autopeças, que teve dezenas de fábricas fechadas nos últimos anos.
Com a Alca, as tarifas seriam diretamente suprimidas, terminando de vez com as empresas nacionais que ainda sobrevivem. Seria como um "Carrefour" instalado ao lado de um pequeno comércio.

Mercado dos EUA não se abrirá para empresas nacionais
As expectativas de "abertura do mercado dos EUA às empresas brasileiras" não condizem com a realidade.
Primeiro, porque a enorme disparidade entre as duas economias impõe uma competição totalmente desleal. Segundo, porque os poucos setores que têm condições de produzir para exportar para os EUA sofrerão restrições comerciais.
O governo brasileiro argumenta que a abertura levaria a uma maior produção no país, e, conseqüentemente, geração de empregos. Mas, os produtos brasileiros considerados competitivos (agrícolas, aço, têxteis, açúcar, álcool, e calçados) são prejudicados pelo protecionismo dos Estados Unidos.
No final de 2001, o governo Bush pediu ao Congresso e ao Senado autorização para negociar o acordo da Alca. O Congresso dos EUA limitou essa negociação, exigindo que o governo Bush não altere as leis que atualmente protegem 290 produtos da concorrência internacional. Dentre estes, incluem-se todos os produtos que o governo brasileiro alega ser competitivo. Em maio de 2002, foi a vez do Senado dos EUA fazer suas exigências, aumentando para 340 os produtos protegidos da competição internacional.
Exemplos dessa política protecionista dos Estados Unidos são as restrições à importação do aço brasileiro e os subsídios à agricultura dos EUA pelo governo Bush. Logo depois de sancionada a lei de protecionismo agrícola de Bush, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária Brasileira estimou que os prejuízos à agricultura nacional chegariam a mais de US$ 1 bilhão.
Esses dois exemplos mostram que a proposta de "livre-mercado" significa liberdade apenas para as grandes empresas transnacionais.

Alca aumentará desemprego e miséria na América Latina
A conseqüência do desequilíbrio entre importação e exportação seria a ampliação do mercado para as grandes empresas dos EUA e a falência das empresas nacionais. O país sofreria um retrocesso industrial e causaria uma enorme aumento do desemprego.
A Argentina é um exemplo. Naquele país, o plano neoliberal foi aplicado mais radicalmente do que no Brasil. Lá, houve redução quase completa das tarifas, a semidolarização da economia, a privatização de todas as estatais e a flexibilização dos direitos trabalhistas. O resultado foi uma devastação que levou o país à crise atual. Com a Alca, haverá o reforço da mesma política que já deixa 224 milhões de pobres e 90 milhões de indigentes latinos-americanos.

Salários e direitos sofrerão drásticas reduções
A implantação da Alca vai fazer com que os ataques aos salários e aos direitos dos trabalhadores se intensifiquem. O argumento será a concorrência com empresas que pagam ainda menos em outros países.
As grandes transnacionais irão transferir suas unidades para os países onde os salários forem mais baixos e houver menos direitos. Daí a flexibilização das Leis Trabalhistas proposta pelo governo FHC.
No México, depois da implantação do Nafta, os salários foram reduzidos em 20%. Antes do Nafta, o salário de um trabalhador mexicano era quatro vezes menor do que o de um dos EUA. Atualmente é dez vezes menor. Por este motivo, o número de mexicanos que vivem na pobreza saltou de 40%, antes do Nafta, para 75% nos dias de hoje.

Educação e saúde serão totalmente privatizadas
Desde o início de sua primeira gestão, em 1995, o governo FHC implanta a privatização da saúde e da educação. O processo se deu e se dá através da redução de verbas para as escolas e hospitais públicos e incentivos às empresas privadas.
Com a Alca, a complementação da privatização da saúde e da educação se dará com a privatização das universidades e hospitais públicos e o livre acesso do capital estrangeiro a estes serviços. Acabarão os investimentos do governo em pesquisas e só terá acesso à universidade quem puder pagar. O mesmo acontecerá com a saúde, a maioria da população será excluída do atendimento hospitalar.

Todas as estatais deverão ser privatizadas
Para evitar as "práticas comerciais anticompetitivas", a orientação dos EUA é privatizar todas as estatais. Dentre as que nos restam estão a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e as companhias de distribuição de água (Copasa, por exemplo). Vale lembrar a experiência brasileira resultante da privatização da energia elétrica: os apagões e o aumento dos preços das tarifas.

EUA querem controlar a produção tecnológica
A Alca vai legalizar e ampliar o controle da tecnologia nas mãos das multinacionais, através da chamada "defesa da propriedade intelectual".
A lei das patentes, aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro, já é parte dessa estratégia. Conhecimentos sobre plantas e medicamentos que foram compartilhados por gerações e gerações de camponeses, por exemplo, podem se tornar propriedade das grandes empresas. A Dupont (grande multinacional) patenteou um tipo de milho, muito semelhante a outros seis tipos que há séculos são plantados por camponeses mexicanos. Agora, a multinacional pode processar esses camponeses ou exigir deles um pagamento por utilizar essas sementes.
Por meio da Alca, os EUA pretendem utilizar sua superioridade em termos de patentes para bloquear o desenvolvimento médico e farmacêutico. Também querem manter o monopólio comercial sobre resultados do conhecimento (incluído o tratamento contra a AIDS, por exemplo) e saquear os recursos da biodiversidade e conhecimentos tradicionais da América Latina.

Alca ameaça a energia, a água e a Amazônia
A Alca vai transformar as fontes de energia dos países da América Latina em "propriedade hemisférica", ou seja, propriedade dos "donos" da economia do hemisfério: as grandes empresas dos EUA. O acesso ao petróleo, gás natural, eletricidade e água devem fazer parte da Alca. Como dizia Bush em Washington: "O gás que se encontra no México é hemisférico. Para benefício dos Estados Unidos e Canadá (...) Uma boa política de energia é uma que entenda que temos energia em nosso hemisfério". As estimativas dos EUA indicam que a demanda mundial crescerá mais de 50% entre 1993-2015. Por isso, o tema energético para os EUA é um problema de segurança nacional. No Brasil, isto levaria não só à privatização da Petrobrás e da água, como também a uma ameaça a todo o ecossistema da Amazônia.

Forças militares das Américas são controladas pelos EUA
Os exércitos nacionais estão sendo reduzidos e o objetivo é substituir o serviço militar obrigatório por exércitos profissionais. Na Argentina esse processo já foi implantado. Lá, as Forças Armadas diminuíram seu efetivo de 120 mil para 30 mil militares. Com isso, elas mudariam seu papel de "defesa da soberania" para a tarefa de defensores da ordem interna.
No Brasil, o mesmo vem ocorrendo. Segundo uma reportagem publicada na revista "IstoÉ", em 24/07, o comandante do Exército, general Gleuber Vieira, decidiu reduzir o horário de funcionamento de diversos quartéis e liberar 44 mil recrutas devido a cortes do orçamento. Para o ministro do Superior Tribunal Militar, brigadeiro Sérgio Ferolla, não há dúvida de que a política adotada pelo governo deixou o Brasil quebrado. Ferolla afirmou que "as restrições orçamentárias atingiram o plano da irresponsabilidade e ameaçam compromissos internacionais e a profissionalização."
Junto com isso, generaliza-se a presença de bases militares dos EUA em países latino-americanos, a qualquer pretexto (a luta contra o narcotráfico e guerrilheiros terroristas, por exemplo, na Colômbia). No Brasil, a base de Alcântara já é parte dessa estratégia.

Multinacionais ameaçam política e ecossistema de países
Se aprovado o acordo, qualquer ação de um governo - até uma norma ambiental -, apontada por empresas dos EUA como causadora de diminuição de seu lucro esperado, poderá ser classificada dentro das "medidas de efeito equivalente a uma nacionalização". Assim, as empresas estrangeiras poderão pedir a punição dos governos, quando elas se considerarem prejudicadas.
Recentemente, uma empresa dos Estados Unidos, produtora de gasolina com chumbo, processou, baseada no acordo do Nafta, o governo canadense por ter proibido a importação desse produto, nocivo ao ambiente e à saúde. Como resultado, o governo do Canadá não apenas teve de indenizar aquela empresa em US$13 milhões, como também liberar novamente a venda desse combustível no país.

Plebiscito Sobre a ALCA
Povo tem o direito de se manifestar sobre a Alca
De 1º a 7 de setembro de 2002, os brasileiros serão conclamados a participar do Plebiscito Nacional sobre a Alca. O objetivo é consultar a posição da população sobre o acordo que ameaça os países latino-americanos, coisa que até hoje o governo brasileiro não fez e não tem interesse em fazer.
O Plebiscito é uma iniciativa de diversas entidades, como sindicatos, ONGs e partidos políticos. Em sua maioria, são as mesmas que participaram do Plebiscito Nacional da Dívida Externa. No estado, o SINJUS-MG integra o Comitê Mineiro de Organização do Plebiscito.
Para os organizadores da consulta, a Alca beneficiará os EUA, subjugando ainda mais os outros países sob seu poderio. Acreditam também que possa haver outra forma de integração entre as nações.

GLOSSÁRIO
  • ALCA - Área de Livre-Comércio das Américas.
    Acordo que transformará o continente americano em um mercado único, sem políticas alfandegárias. Os Estados que o assinarem assumem o compromisso de não intervirem no relacionamento entre consumidores e produtos, independentemente da nacionalidade dos mesmos. O processo é liderado pelos EUA, que visam, dessa forma, dominar integralmente os mercados da América.
  • BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
    Banco internacional de empréstimo para desenvolvimento dos países da América Latina. A organização foi criada em 1959 e sua sede fica em Washington, nos Estados Unidos. O BID divide-se entre os países mutuários da América Latina (que recebem os empréstimos), e os não-mutários (que emprestam o dinheiro), como EUA, Canadá, Japão e diversas nações européias.
  • Dumping
    Prática desleal de comércio. Grandes empresas vendem seus produtos a preços mais baixos que os custos. Assim, apesar de obterem prejuízos temporários, buscam eliminar as pequenas empresas concorrentes, que não podem arcar com essas perdas.
  • FMI - Fundo Monetário Internacional
    Instituição que congrega 182 países e tem como finalidade básica emprestar recursos, a juros, aos países em dificuldade e garantir que os mesmos paguem suas dívidas aos demais membros. A crítica principal ao Fundo é que ele tem atuado como forma de pressão política. Os países devedores são forçados a cumprir certas determinações sob a ameaça de não receberem recursos.
  • Integração
    É um acordo mais amplo entre países. Além de temas econômicos, buscam os acordos políticos e culturais. A União Européia é um exemplo disso.
  • Mercado Comum
    Acordo no qual países buscam ter políticas econômicas comuns ou convergentes, como definir uma taxa de inflação, de superávit, etc. Para implantação da União Européia, foi estabelecido uma etapa anterior, o Mercado Comum Europeu.
  • NAFTA - Acordo de livre-comércio das Américas do Norte
    Tratado que instalou, a partir de janeiro de 1994, uma área de livre-comércio abrangendo Estados Unidos, Canadá e México. As grandes beneficiadas foram as empresas dos EUA. Algumas de suas conseqüências para o povo mexicano já são visíveis como a ampliação da desigualdade social, o fechamento de mais de 200 mil postos de trabalho e a destruição da legislação ambiental.
  • Neoliberalismo
    Doutrina econômica que começou a ser aplicada e difundida no final da década de 70. No Brasil foi trazida abertamente pelo Governo Collor. A teoria prega a volta das idéias dos liberais econômicos, como a não-intervenção do Estado na Economia. É responsável por: aumento da concentração de renda, flexibilização (retirada) das leis trabalhistas, entre outros problemas atuais.
  • OMC - Organização Mundial de Comércio
    Órgão máximo do comércio mundial, com a competência de regular e fiscalizar os negócios entre os países. Apesar de sua função ser garantir a lisura na pratica comercial e a obediência aos tratados firmados, em várias situações, a OMC tem se demonstrado sem critérios e injusta, privilegiando os países de economia mais forte, mais influentes.
  • PIB - Produto Interno Bruto
    Valor total de todos os produtos e serviços gerados dentro de um país. Por isso, é considerado um dos melhores índices para se medir a economia nacional.
  • Protecionismo
    Uma política protecionista consiste basicamente na elevação das tarifas alfandegárias a fim de aumentar o preço dos produtos importados, protegendo a produção interna.
  • União Aduaneira
    Acordo que estabelece uma padronização da taxação externa. Ou seja, os países cobram uma mesma taxa pela compra de produtos de nações que não façam parte dele. O Mercosul é uma espécie de União Aduaneira.
  • Zona de livre-comércio
    Acordo entre dois ou mais países para formar uma área de livre circulação (sem taxas alfandegárias) de bens, capitais e pessoas.
ALCA: Soberania não se negocia! - Frei Beto
O título acima é o lema do 8o. Grito dos Excluídos que as pastorais sociais da CNBB promoveram no dia 7 de setembro, em parceria com movimentos sociais. A data marcará também o encerramento do Plebiscito Nacional da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), durante a Semana da Pátria. À semelhança do Plebiscito sobre a Dívida Externa, promovido pela CNBB em 2000, neste ano os brasileiros serão convocados a se manifestar a favor ou contra a entrada no Brasil na ALCA.
Das 500 grandes empresas que possuem 73% do PIB mundial, 85% delas estão sediadas nos EUA, que abrigam apenas 4% da população mundial e controlam 22% das riquezas do planeta. Como disse Bill Clinton, se quisermos manter esta fatia de riqueza, precisamos vender para os outros 96% da população. Apesar disso, aquele país enfrenta um crônico déficit comercial, que atingiu o montante de US$ 2,111 trilhões entre 1985 e 1999.
Assim, a ALCA aparece como uma tábua, senão de salvação, pelo menos de alívio. As relações comerciais dos EUA com a América Latina ainda são inexpressivas. Segundo Kjeld Jakobsen (Teoria e Debate 50/2002), secretário de Relações Internacionais da CUT, em 1990 eram dirigidas ao nosso Continente apenas 3,6% do total das exportações dos EUA, dos quais quase a metade para os países que integram o MERCOSUL. O Brasil representa apenas 1% do total de comércio exterior estadunidense.
Talvez a conquista mais conhecida da Cúpula das Américas declarou Collin Powell, secretário de Estado dos EUA, após a reunião de Québec (abril de 2001) - seja o lançamento das negociações para a ALCA. Nós poderemos vender mercadorias, tecnologia e serviços americanos, sem obstáculos ou restrições, dentro de um mercado único de mais de 800 milhões de pessoas, com uma renda total superior a US$ 11 trilhões, abrangendo uma área que vai do Ártico ao Cabo Horn (FSP, 22/4/01).

O que o Brasil ganha com a ALCA?
Um bom termômetro para saber o quanto a ALCA seria positiva ou não para o Brasil é o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), que desde 1994 reúne o Canadá, os EUA e o México. Os dois países vizinhos a Tio Sam passaram a depender dele em mais de 80% de suas exportações, enquanto o Brasil possui relações comerciais geograficamente diversificadas, o que lhe permite maior margem de manobra.
Segundo Jakobsen, nos primeiros sete anos do NAFTA, 800 mil postos de trabalho foram fechados nos EUA, porque muitas empresas se transferiram dali para o México, em busca de mão-de-obra mais barata. Os desempregados absorvidos pelo setor de serviços passaram a ganhar salários 77% inferiores aos que recebiam na indústria. No México, o salário médio por hora caiu de US$ 2,10, em 1994, para US $ 1,90, em 1999.
Henry Kissinger opinou que as relações México-EUA devem servir de modelo para as negociações com outros países latino-americanos. Em outras palavras, a ALCA significa a mexicanização da América Latina. E o fim do MERCOSUL e, portanto, da nossa integração com os países vizinhos. Tudo indica que, se aprovada, a ALCA significará a anexação da América Latina ao império de Tio Sam.
Quem no Brasil ganharia ou perderia com a ALCA? Na opinião da CUT, perderiam os setores de máquinas e equipamentos, eletroeletrônico, químico, mobiliário, papel e celulose, financeiro e seguros. As pequenas e médias empresas também sairiam perdendo, pois as brasileiras exportam somente 2% de sua produção, enquanto as similares estadunidenses exportam 50%. Ganhariam os setores de siderurgia, álcool, sucos, têxteis, calçados e agrobusiness, que já vendem para os EUA. Mas só levariam vantagem se as regras antidumping dos EUA fossem eliminadas, permitindo assim o aumento de nossas exportações.
A atual política de flexibilização das leis trabalhistas, adotadas pelo governo FHC, fazem parte dos acordos com o FMI, que condicionou a renovação de seus contratos com o Brasil à adesão irrestrita de nosso país à ALCA. Se esta for aprovada, o capital especulativo terá plena liberdade para buscar maior rentabilidade em qualquer país continental, aumentando a nossa pobreza, sucateando a nossa indústria e expropriando as nossas riquezas. Ao eliminar o controle sobre a movimentação do capital estrangeiro e conceder isenções tributarias às aplicações dos que residem no exterior, o Brasil já vem preparando esse caminho de submissão aos interesses de Washington.
Como competir com uma nação que, em 2000, alcançou um PIB de US$ 9,9 trilhões? No mesmo ano, o do Brasil chegou a US$ 593 bilhões. Os atuais acordos da ALCA prevêem eliminação das barreiras alfandegárias, mas nada dizem sobre a proibição de criar barreiras não alfandegárias, que os EUA costumam adotar para assegurar seu protecionismo. Prometem também melhorar a proteção ao meio ambiente, mas não estabelecem mecanismos para evitar que uma empresa conteste judicialmente as normas de defesa do meio ambiente, sob pretexto de que ferem suas expectativas de lucro. Assim, a criação da ALCA intensificará a mercantilização da natureza, submetendo os ecossistemas e a biodiversidade às leis do mercado e aos interesses das transnacionais.
A ALCA ameaça a soberania dos países do Continente. Se for efetivada, as pendências jurídicas irão para tribunais internacionais que, como as instituições multilaterais, estariam sujeitos às pressões das empresas transnacionais. Basta conferir a atitude que elas tiveram, através da OMC, ao pressionarem o Brasil e a África do Sul a cessarem a fabricação de medicamentos genéricos, mais baratos, incluindo os destinados ao combate da Aids. Entre vidas humanas e lucros, as transnacionais não têm dúvida de que lado ficam.
Se aprovada na 4a. Cúpula das Américas, prevista para abril de 2003, em Buenos Aires, e passar a vigorar a partir de 2005, a ALCA dará sinal verde para instalar indústrias sem levar em conta o meio ambiente; industrializar a agricultura, multiplicando o número de famílias sem-terra; e restringir a atividade sindical, ao não reconhecer o direito de organização e de negociação coletiva. Os produtos agrícolas dos EUA entrarão no mercado latino-americano em condições desleais de concorrência; os povos indígenas terão suas terras invadidas ainda mais, e suas riquezas naturais saqueadas; a educação privatizada significará maior dificuldade de acesso da maioria da população à escolaridade; os serviços de saúde atuarão segundo a lógica do mercado.

Acima de tudo, os interesses dos EUA
Segundo Samuel Pinheiro Guimarães (Carta Maior, 6/3/02), torna-se impensável defender a ALCA depois que o Congresso dos EUA aprovou o TPA (Trade Promotion Authority-Autorização para a Promoção Comercial), o fast track (ou via rápida), que permite ao presidente Bush negociar sem consulta ao parlamento, além de impedir modificações na legislação comercial do país; excluir uma relação de produtos agrícolas das negociações; manter os subsídios à agricultura; e considerar a política cambial dos países exportadores prejudicial à economia dos EUA.
O TPA é tão claramente imperialista que o ministro da Agricultura, Pratini de Moraes, criticou-o. "Isso é um sinal de que os EUA não estão dispostos a negociar", disse ele. "E, se eles não querem abrir o mercado, nós não vamos abrir o nosso". (FSP 13/12/01).
A Casa Branca já deixou bem claro que, em se tratando da ALCA, pretende negociar somente os temas que interessam aos EUA. Isso significa que ficarão de fora das negociações temas que o governo brasileiro considera essenciais para que a ALCA seja aceitável para o Brasil, tais como a revisão da arbitrária legislação antidumping e anti-subsídios norte-americana, que afeta produtos brasileiros competitivos, como o aço, e a eliminação dos subsídios americanos à exportação de produtos agrícolas.
O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães observa que as normas que regeriam a ALCA teriam de ser compatíveis com as da OMC (Organização Mundial do Comércio), o que não impede que favoreçam a liberalização geral do comércio de bens e serviços e do movimento de capitais, sem tratamento preferencial para as empresas dos países em desenvolvimento. Portanto, seriam ainda mais favoráveis aos interesses das megaempresas transnacionais em todos os setores e aos megainvestidores internacionais, cujas sedes e centros de decisão se encontram fisicamente, assim como seus acionistas, nos EUA.
É ingenuidade do governo brasileiro supor que, no caso da ALCA, obterá dos EUA mais concessões do que o NAFTA conseguiu para o Canadá e o México. As dificuldades para entrar no mercado estadunidense serão as mesmas, bem como as desvantagens competitivas frente à ofensiva dos EUA ao implantar em nosso país empresas de produção de bens e serviços. Assim, a ALCA sepultaria de vez a possibilidade de o Brasil ter uma política soberana de desenvolvimento e obter superávit comercial.

Plebiscito da ALCA
Dizer Não! à ALCA é impedir que os países do Continente percam o pouco que lhes resta de soberania. Somos atualmente 224 milhões de habitantes, dos quais 90 milhões vivem abaixo da linha da miséria, ou seja, com uma renda mensal equivalente a menos de US$ 30. Ao transformar a América Latina e o Caribe num mero quintal dos EUA, todos os nossos países ficarão ainda mais sujeitos às ingerências da Casa Branca, reforçando a dependência econômica, política, cultural, tecnológica e até monetária

Fora do mundo - Emir Sader
Diziam-nos que ficaríamos isolados do mundo, que não chegaríamos ao século 21 se não nos adequássemos ao ''espírito do tempo'' - que recebeu o prosaico nome de Consenso de Washington. O presidente da República anunciou não apenas que ''não há mais imperialismo'', mas também que ''a globalização é um novo Renascimento da humanidade'', enquanto seu ministro da Economia reiterava que ''qualquer governo sério (sic) privilegia o equilíbrio das contas públicas''.
E agora aqui estamos, com as contas públicas supostamente saneadas - segundo o presidente, uma das conquistas fundamentais do seu governo, objetivo duvidoso, se sabemos que significou a financeirização do Estado e a multiplicação, por seis, de seu endividamento. Mas ao invés de integrados no mundo e pesando cada vez mais nas decisões, o Brasil está relegado, como nunca esteve nas últimas décadas, a país sem nenhuma importância.
A desregulação e o privilégio da estabilidade monetária levaram à fragilização da nossa economia, cada vez mais dependente do FMI - aquele que tratou o presidente e seus ministros e assessores como analfabetos durante sete anos - e do ingresso de capital especulativo, enfraquecendo a situação do Brasil no mundo. Paralelamente, a abertura da economia levou à perda de competitividade e aos déficits acumulados da balança comercial, revertendo um dos elementos de força do Brasil no plano externo.
A diminuição da soberania econômica foi acompanhada do enfraquecimento da soberania política. Há muito tempo o Brasil não tinha um ministro de Relações Exteriores tão débil, tão incapaz de reagir às piores arbitrariedades da política norte-americana - enfrentadas até por Tony Blair, no caso do aço, que não mereceu nenhuma atitude minimamente altaneira do ministro de Relações Exteriores do Brasil. O presidente do Brasil não compareceu à Cúpula do Milênio, na ONU, a mais importante reunião de mandatários do mundo, mandando seu vice, cuja inexpressividade é uma forma eloqüente de dizer que o nosso país não tem nada a dizer ao mundo no final do século 20 e no limiar do século 21. Agora, de novo, afogado na tempestade em copo d'água, o presidente do Brasil não comparece à Cúpula de Monterrey, que deveria discutir o financiamento para o desenvolvimento e a pobreza no mundo - tema que nos toca profundamente, conforme a visão que teve do país a comissão da ONU presidida pelo suíço Jean Ziegler.
O Brasil não foi capaz de administrar a crise do Mercosul, que definha. É verdade que as políticas de abertura e de desregulação não favorecem a integração. Porém, o governo brasileiro não conseguiu olhar para além do curto prazo dos ziguezagues do capital especulativo e dar-se conta de que só uma moeda comum, ao estilo da européia, poderia aprofundar o Mercosul e evitar a crise atual.
A política externa do Brasil foi reduzida a uma expressão mínima, praticamente limitada a intervenções inócuas em casos de comércio exterior. E no entanto, o Brasil precisa do mundo e o mundo precisa do Brasil. O Brasil não conseguirá resolver seus grandes problemas sem uma reinserção externa, para o que necessita de alianças com os grandes países do Sul do mundo - a China, a Índia, a África do Sul, entre outros -, com vistas a modificar o panorama internacional, profundamente negativo para os países periféricos, que no entanto abrigam o grosso da população mundial.
E o mundo - antes de tudo a América Latina - requer uma liderança como a que o Brasil pode exercer, a começar pela resistência à absorção do continente pela agressiva hegemonia norte-americana, representada pela Alca. Movimentos sociais e civis realizaram este ano um plebiscito sobre a Alca, em setembro, para consultar o povo brasileiro sobre o seu futuro - o de um país justo e soberano ou subordinado e de miséria social. Um presidente que encarne uma política externa democrática deverá apoiar esse plebiscito e obedecer ao pronunciamento popular.
Dessa forma o Brasil estará voltando a ocupar um lugar de destaque no mundo, num projeto de integração latino-americana e do Sul do mundo, para a partir daí redefinir suas relações com os três megamercados que hoje dominam sem contrapesos o mundo, embora representem uma proporção minoritária da população do universo. Deixará de ser globalizado e contribuirá decisivamente para uma outra globalização - solidária e não mercantilista, como a atual, com que o Brasil tem que romper, para ser soberano, justo e democrático.
Emir Sader é cientista político

MARQUE UM GOL DE PLACA: DIGA NÃO À ALCA! Alfredo J.
Dá para imaginar um livre comércio entre os Estados Unidos, a economia mais poderosa e prepotente do planeta, e as economias fragilizados da América Latina e Caribe? Dá para imaginar lobo e cordeiro fazendo um acordo mútuo?
Penso que até o profeta Isaías, após séculos de barbárie liberal, haveria de rever os termos poéticos de sua utopia bíblica! É possível imaginar um tubarão tomando conta de um tanque de sardinhas, ou uma raposa administrando pacificamente o galinheiro?
Livre comércio ou jogo viciado, de cartas marcadas, onde a disparidade entre os parceiros é tamanha, que inviabiliza qualquer possibilidade de negociação? Há possibilidade de uma competição justa e leal, quando entram no mesmo ringue um peso pesado e um peso pena?
A disputa pode até ser regida por regras e leis igualitárias, mas o destino do segundo lutador está de antemão traçado: hospital ou cemitério. Liberdade absoluta entre concorrentes desiguais favorece o mais forte, livre comércio entre países assimétricos só faz aprofundar as desigualdades.
Historicamente, liberalismo ou o neoliberalismo é a arma dos poderosos. A crise mundial leva os blocos econômicos a uma tríplice guerra: guerra ao consumidor, numa luta encarniçada por novas fatias do mercado mundial; guerra à natureza, pela descoberta e monopólio de novas fontes de matérias primas; e guerra aos seres humanos, pela super-exploração da força de trabalho.
A crise leva os EUA a implantar a Alca a qualquer custo, expandindo a todo continente seu poderio econômico, político e militar, incorporando, colonizando e anexando 34 países das Américas, convertendo-se assim no bloco mais poderoso da economia globalizada. Isso sem falar da contradição e da hipocrisia do governo Bush: ao mesmo tempo que impõe a Alca no quintal dos outros, pratica dentro de casa um protecionismo aberto e descarado. Onde já se viu livre comércio de mão única!?
O capital, produtos, tecnologia e serviços do norte inundarão o sul, mas o caminho inverso terá barreiras a cada esquina. Daí a necessidade de dizer não à Alca. É uma questão de defender a soberania nacional, diante da voracidade insaciável e da estratégia do Império.
Vestir a camisa verde-amarela, desfraldar a bandeira do Brasil, e cantar o hino nacional é trabalhar por um projeto popular alternativo. Torça, reze e lute por um novo Brasil: marque um gol de placa - diga não à Alca!


A Alca não interessa a um Brasil democrático - Fátima V. Mello

A recente Cúpula de Chefes de Estado das Américas, realizada em Québec, foi a caricatura mais fiel da forma como as negociações para a constituição da ALCA estão avançando. A completa dissociação e ruptura entre os acordos realizados na reunião governamental e as aspirações de organizações sociais, sindicais, ambientais, indígenas, de jovens e de mulheres foram materializadas pela construção de um muro, que logo ficou conhecido como Muro da Vergonha.
No Brasil, não têm sido poucos os atores que estão apreensivos em relação aos impactos que resultarão da ALCA. Não apenas os movimentos sociais e sindicais, mas também parlamentares, empresários e até mesmo setores do poder executivo têm afirmado que, do ponto de vista econômico-comercial, a ALCA é um péssimo negócio para o Brasil.
Em um esquema de remoção de barreiras tarifárias (ainda há grandes incógnitas sobre a remoção das não-tarifárias), as vantagens comparativas do Brasil estariam situadas precisamente em nossos baixos salários, na abundância de recursos naturais em meio à ausência de regulação ambiental e nos baixos padrões de direitos sociais e trabalhistas.
Sem ouvir o que diz a sociedade brasileira, a diplomacia segue restringindo sua estratégia à tentativa de ampliação do acesso ao mercado norte-americano para alguns produtos específicos (aço, suco de laranja, têxteis, calçados), o que eventualmente poderia produzir alguns ganhos limitados para estes setores, enquanto os Estados Unidos apostam em uma ainda maior ampliação de suas empresas globais, abrangendo serviços, investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual, entre outros interesses. O que está em jogo na ALCA
Ao contrário do que dizem os diplomatas brasileiros, a ALCA não se restringe a um acordo de liberalização comercial. O que está em jogo são as relações de poder e a consolidação da hegemonia norte-americana no hemisfério e, a partir das Américas, a sua hegemonia global.
A leitura do texto do Grupo de Negociação sobre Investimentos - que vem a ser o único texto a que se tem acesso até hoje, por mérito de uma ONG que o conseguiu capturar, apesar das promessas dos governos, feitas em Buenos Aires e Québec, de tornar públicos os documentos de todos os Grupos de Negociação - não deixa dúvidas sobre isso.
Embora grande parte do texto encontre-se entre colchetes, o que indica a falta de acordo entre os governos sobre quase todos os temas, os princípios e a essência nele presentes são claros. Está em negociação, por exemplo, a criação de mecanismos de solução de controvérsias em tribunais internacionais que concedem ao investidor estrangeiro o direito de passar por cima das legislações nacionais - algo muito similar ao que estava previsto no tão temido Acordo Multilateral de Investimentos (AMI).
A Aliança Social Continental, que reúne organizações sociais e sindicais que visam lutar contra a ALCA, elaborou recentemente uma análise do documento negociador sobre investimentos, onde afirma que "estes mecanismos (de solução de controvérsias) outorgam às corporações estrangeiras direitos especiais para o uso da arbitragem internacional em forma secreta e à margem de verdadeiros controles públicos."
"Desta maneira", prossegue o texto, "o hemisfério corre o risco de que, como no NAFTA, se derrubem de fato leis e regulações nacionais erguidas através de anos de processos democráticos."
Além destes mecanismos, estão presentes no texto, entre outros, o princípio do trato nacional, que obriga os países membros da ALCA a concederem tratamento igual para empresas locais/nacionais e estrangeiras, e a tendência de que não se permita aos governos exercerem controles sobre os movimentos de capitais.
A ALCA, portanto, pertence a um reino e a uma categoria que tem sido pouco utilizada ultimamente, mas que é bastante atual: o imperialismo. Ela diz respeito a uma nova governabilidade, onde os Estados Nacionais cedem sua soberania ao capital, aos investidores privados e, sobretudo, aos Estados Unidos.
Se observarmos a ALCA a partir desta dimensão do poder, veremos que o debate, por exemplo, sobre a utilidade ou não do Mercosul como mecanismo que produz poucas vantagens comerciais ao Brasil deve ser colocado em um plano secundário.
O fortalecimento do Mercosul, desde que seja reorientado a partir de projetos nacionais de desenvolvimento que possam ser ancorados em complementariedades e parcerias sub-regionais, pode ser benéfico para a sociedade, a economia e para uma inserção mais soberana dos países do Cone Sul no jogo de poder internacional.
Isso obviamente depende da capacidade das forças democráticas construírem projetos nacionais de natureza oposta à situação atual, e de saírem vitoriosas das urnas.
* Historiadora, assessora da Área de Relações Internacionais da FASE. A FASE é membro da Rede Brasileira Pela Integração dos Povos/REBRIP.

O Plebiscito sobre a Alca - Aloizio Mercadante
A ALCA - a Área de Livre Comércio das Américas - é muito mais do que uma proposta de liberalização comercial, como está formalmente enunciada. Trata-se, isto sim, de um projeto estratégico dos Estados Unidos de consolidação de sua dominação sobre a América Latina, através de criação de um espaço privilegiado de ampliação de suas fronteiras econômicas.
A implantação da ALCA representará o aprofundamento do movimento de abertura e desregulamentação econômica e financeira que conduziu ao debilitamento político dos estados nacionais latino-americanos e à fragilização de suas economias. Não por acaso o processo de integração proposto e já em andamento desde a realização da 1ª Cúpula das Américas, em Miami, em dezembro de 1994, inclui 9 Grupos de Negociação e três Comitês Especiais, nos quais estão sendo decididas as regras e as normas que vão regular desde a redução das barreiras tarifárias e as políticas de subsídios, anti-dumping e medidas compensatórias até temas extremamente sensíveis, como os investimentos (desregulamentação do fluxo de capitais na região e proteção dos investimentos externos de eventuais ações dos Estados), as compras governamentais (abertura ao capital estrangeiro), a propriedade intelectual (proteção dos interesses das grandes corporações, particularmente nas áreas farmacêutica e de biotecnologia) e os serviços (abertura ampla aos investidores externos).
A proposta, portanto, atinge todas as áreas, com repercussões tão graves quanto previsíveis, dada a enorme assimetria existente entre os Estados Unidos e as demais economias da região, não somente em termos de tamanho (o PIB norte-americano representa 71% do PIB todo do hemisfério), mas também de produtividade, escalas de produção, eficiência e competitividade sistêmica.
Isso não exclui que algumas economias menores possam obter algumas vantagens econômicas, ainda que aprofundando da sua condição de satélite da economia norte-americana, ou que algumas poucas empresas ou setores específicos possam se beneficiar do processo de integração.
As economias de maior porte, no entanto, têm muito mais a perder do que a ganhar com a ALCA. E, dentro delas, o Brasil - uma economia continental com vocação multilateral de comércio exterior que não pode ser reduzida a uma plataforma de exportação e, além disso, o único país latino-americano com condições potenciais de contestar a hegemonia norte-americana na região - será o grande perdedor. Nossa estrutura produtiva e de recursos não é complementar à norte-americana, ao contrário, somos concorrentes em vários segmentos (automotivo, aço, suco de laranja, soja, por exemplo). O nível de integração de nosso sistema produtivo, nossas escalas de produção e nossa capacidade endógena de desenvolvimento tecnológico são muito menores, o que somado às deficiências em nossa infra-estrutura básica, nos coloca em uma situação de extrema inferioridade no que se refere à produtividade e competitividade global da economia. Nessas circunstâncias, a liberalização dos fluxos de mercadorias, serviços e capital tende a ser uma estrada de uma só via, com impactos destrutivos sobre a estrutura e dinâmica do sistema produtivo nacional.
A experiência dos anos recentes é ilustrativa do que pode vir ocorrer com a implantação da ALCA. A abertura comercial radical, acompanhada pela sobrevalorização da moeda, promovida pelo Plano Real, além de induzir um processo de desindustrialização, gerou perdas significativas no intercâmbio comercial do país com o exterior. No período 1994/97, por exemplo, nossas exportações para os Estados Unidos cresceram apenas 5,22%, enquanto nossas importações daquele país aumentaram em 116,52%. E embora depois da crise cambial de janeiro de 1999 se tenham corrigido alguns dos "excessos" da fase anterior, o balanço do período 1994/2000 ainda é altamente negativo.
Para o Brasil, portanto, o problema não é discutir modalidades de integração, condições ou prazos da ALCA. A essência do problema é que a ALCA, à margem de ganhos eventuais para esse ou aquele grupo, não responde aos interesses estratégicos nacionais. Fazer prevalecer esses interesses implica dizer "não" a essa proposta que nos fará regredir a uma condição neocolonial. O Brasil entrou muito mal na OMC pelas mãos do então ministro Ciro Gomes e dos presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. E está repetindo o erro com a assinatura da Carta de Intenções de adesão à ALCA e a ausência de iniciativas políticas que detenham o desmonte do Mercosul e promovam a discussão de propostas de integração alternativas, que preservem nossa identidade e nossa soberania.
A agenda de negociação da ALCA não tem qualquer semelhança com a experiência de integração da Europa. A União Européia foi sendo desenhada ao longo de mais de 30 anos de negociações, dentro de um espaço econômico comparativamente mais homogêneo e incluiu, além da criação de instituições continentais, o mercado de trabalho e fundos de compensação para as economias mais atingidas pela liberalização comercial. No caso da ALCA não há nenhuma dessas condições e o mercado de trabalho continuará separado pelo muro entre os EUA e o México.
Portanto, é fundamental construir uma política de resistência a esse pacto neocolonial. Nessa perspectiva apresentamos na Câmara dos Deputados proposta para a criação de uma Comissão Especial, que acompanhe e envolva a sociedade em tudo relacionado com a ALCA. Com o deputado Henrique Fontana, demos entrada em um projeto de realização de um plebiscito popular sobre a ALCA para o final das negociações. A ALCA não é uma fatalidade histórica a que tenhamos que nos submeter e dizer "não" à ALCA é um direito soberano do Brasil. Como bem assinala o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães em entrevistas recentes, isto não significa a adoção de uma posição autárquica ou de negação de negociações comerciais com os Estados Unidos ou com qualquer outro país ou bloco comercial do mundo. Significa somente pautar todas essas negociações pela defesa intransigente dos interesses nacionais.
* Aloizio Mercadante, 46 anos, economista e professor universitário licenciado da PUC e UNICAMP, é deputado federal e secretário de relações internacionais do Partido dos Trabalhadores.

Alca, o neocolonialismo americano - Olivio Dutra

Desde Simon Bolivar, o sonho de integração da América paira sobre nós como uma esperança de união de povos marcados por uma trajetória comum de colonização. Um sonho de União baseado na fraternidade e na solidariedade. Mas esta esperança parece não ser compartilhada pela maioria dos governantes do continente americano. Pois quando falam em integração americana, apontam a ALCA. Uma proposta que desconsidera a solidariedade garantindo direitos e vantagens ao grande capital sem se preocupar com as regiões e setores menos favorecidos.
A ALCA poderá representar um neocolonialismo e não a união dos povos americanos. A proibição de importação de outros países, que havia na era colonial, será substituída por um mecanismo mais sofisticado, que é a vantagem tarifária para os produtos vindos da metrópole. A proibição formal de instalação na colônia, de indústrias de capital nacional, será substituída por uma proibição tecnológica pois a brutal vantagem competitiva dos conglomerados metropolitanos poderá impedir o nascimento de atividades econômicas locais. A garantia que os cidadãos metropolitanos tinham de serem regidos pelas leis de seu país, mesmo estando em solo colonial, poderá ressurgir transfigurada em uma legislação que garante a rentabilidade dos investimentos externos no nosso país. Ou seja, se, por exemplo, resolvermos adotar legislações ambientais mais rígidas que impliquem em custos de preservação do meio ambiente para as indústrias multinacionais aqui instaladas, provavelmente teremos que indenizá-las pela redução de seus lucros.
A situação clássica do colonialismo, no qual exportávamos matérias primas e importávamos produtos industrializados acabados, ameaça retornar. A abertura abrupta e descriteriosa de nossa economia a esta nova metrópole, num cenário internacional caracterizado pela contínua queda dos preços dos produtos primários e pela alta capacidade tecnológica e competitiva dos EUA, poderá permitir uma ampliação de nossas exportações de produtos básicos, semi-elaborados ou pouco industrializados. Mas, certamente, em contrapartida, teremos o crescimento das importações de produtos com alto valor agregado. Nossa dependência deverá se ampliar. Como se não bastasse tudo isso, há ameaças muito mais graves na proposta da ALCA pois envolve muito mais que questões comerciais e tarifárias. Eles querem ressuscitar o Acordo Multilateral de Investimentos, o MAI, que pela correta ação do movimento social europeu foi impedido de vigorar no âmbito da OCDE. Agora que os EUA não conseguiram convencer, os europeus querem nos provar que isto é bom para o Brasil e para a América Latina.
Com o MAI não poderá mais haver distinção entre empresa nacional e estrangeira. Não será mais possível elaborar políticas que desenvolvam e fomentem o empresariado nacional. Tudo que beneficiar as empresas brasileiras deverá estar disponível também para as norte-americanas. E mais, haverá abertura para a intervenção privada em todas as áreas. Com isto, nenhum país poderá proibir a presença da iniciativa privada em áreas como saneamento, saúde e educação. Se ele for plenamente implementado, o capital especulativo terá livre mobilidade e, caso sejam impostas barreiras, os governos terão que indenizar os especuladores pelas suas perdas.
Não há como desconsiderarmos isto. Não queremos um futuro que retrate o passado. A constituição da ALCA não representa uma certeza inexorável. É necessário esclarecer e mobilizar a população latino-americana. Não podemos aceitar a implementação da ALCA, pois o que está em jogo não é a liberdade econômica. O que está em jogo é a soberania nacional dos povos latino-americanos. O reforço e a qualificação do MERCOSUL é prioritário.

Mercosul e Alca: interesses confrontados - Luiz Inácio Lula da Silva
O Preâmbulo do Tratado do Mercosul enuncia as metas de "acelerar o processo de desenvolvimento econômico com justiça social", "melhorar as condições de vida de seus habitantes" e "deixar estabelecidas as bases para uma união cada vez mais estreita entre seus povos".
Se hoje esses objetivos estão longe de serem concretizados, ficarão na letra morta do tratado se deixarmos que a proposta norte-americana da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) prospere na reunião dos presidentes, em abril próximo, no Chile.
Por enquanto, o Congresso norte-americano não autorizou o presidente Clinton a fechar negociações comerciais, o que nos permite ganhar tempo para articular as posições que defendemos de estratégias de desenvolvimento acompanhadas da defesa dos direitos sociais e trabalhistas.
Se é verdade que o Mercosul ampliou a interdependência entre os quatro países-membros, especialmente no plano comercial, também é verdade que as políticas implementadas pelos governos do Brasil e da Argentina estão na contramão dos objetivos enunciados no Tratado.
"Acelerar o processo de desenvolvimento econômico..." A abertura indiscriminada das nossas economias, a submissão da política econômica à política monetária e o privilegiamento do setor financeiro tornam nossos países cada vez mais vulneráveis, reféns do capital especulativo.
"...Com justiça social" A Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul, formada pelas centrais sindicais dos quatro países-membros e dos dois associados (Bolívia e Chile), vem redobrando esforços para intervir, com propostas de defesa de direitos sociais e promoção de políticas públicas.
Mas a frustração é grande. Ano após ano, durante a reunião anual dos presidentes, tem sido entregue a Carta dos Direitos Fundamentais do Mercosul, proposta dos trabalhadores de Carta Social que, até agora, não foi nem sequer considerada na agenda oficial do Mercosul.
A nossa proposta é de mudança de rumo do Mercosul e de combate à proposta norte-americana da Alca. Nunca conseguiremos "melhorar as condições de vida dos habitantes" sem combater esse modelo de integração que repete, em escala regional, políticas de exclusão social agravadas pelas altas taxas de desemprego. É preciso uma alternativa.
Queremos aprofundar o Mercosul, ampliando a interdependência em todos os planos, mas garantindo a participação democrática dos cidadãos e cidadãs. O "compromisso democrático" do Mercosul deverá ser redefinido.
Não basta, ainda que seja importante, articular ações em conjunturas específicas. É necessário construir regimes e instituições supranacionais que comprometam os Estados, independentemente da vontade política dos seus presidentes.
Se os rumos da integração vão ficar atrelados exclusivamente à negociação dos Executivos nacionais, afastando a participação direta dos Parlamentos e das entidades representativas da sociedade, estamos diante de uma concepção de democracia muito restrita.
Como a Comissão Parlamentar Conjunta e o Foro Consultivo Econômico e Social possuem funções meramente consultivas, há, de fato, uma subordinação dos Poderes Legislativos dos quatro países aos Poderes Executivos, ferindo o princípio democrático de separação dos poderes.
O governo brasileiro, no confronto com o governo norte-americano em torno da Alca, defende a participação da sociedade em organismos consultivos. Sabemos, pela experiência do Mercosul, que essas instâncias não garantem a democratização do processo.
Para que o Mercosul se transforme em uma questão de toda a sociedade brasileira, e não apenas de diplomatas, burocratas e empresários, é necessário também que sejam adotadas políticas internas de apoio àqueles setores produtivos - especialmente pequenos e médios -, que possam ser golpeados inicialmente pela política de abertura.
Iniciativas tributárias, apoios em infra-estrutura e tecnologia podem permitir a agricultores e pequenos industriais terem condições de competitividade frente aos produtos dos países vizinhos.
No momento atual, quando nossas economias estão sendo ameaçadas pela criação da Alca, um Mercosul forte, que empunhe as bandeiras de um desenvolvimento sustentado, com distribuição de renda e riqueza, pode transformar-se em um importante instrumento para a construção de uma alternativa de desenvolvimento no Continente.

A trágica experiência do Nafta - Altamiro Borges
Se existe um consenso acerca da bombástica proposta dos EUA de criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) é de que ela será uma extensão de outro tratado econômico já em vigor: o Nafta (North American Free Trade Agreement). As negociações entre Estados Unidos, Canadá e México para a implantação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte foram concluídas em dezembro de 1992. Ratificado um ano depois pelos parlamentos dos três países, o Nafta passou a vingar de fato em janeiro de 1994.
O conteúdo do acordo é bastante detalhado, com mais de mil itens e subitens. Entre outras regras, ele impõe: "Eliminação tarifária progressiva, até sua eliminação total em dez anos; regras de origem para garantir que essa eliminação favoreça os países do Nafta e impedir que outros se utilizem do acordo como plataforma de acesso ao mercado da América do Norte; acesso dos sócios do Nafta aos programas de compras governamentais; abertura do comércio transfronteiriço para os setores de serviços, incluindo os financeiros; garantia de direitos de propriedade intelectual; tratamento diferenciado para os setores têxtil, vestuário, automotriz, de energia, agricultura, transporte terrestre e telecomunicações" [1].
A experiência do Nafta, que já dura mais de oito anos, serve de estrondoso alerta sobre as trágicas perspectivas que decorrem da imposição da ALCA em todo o continente americano. Uma rápida pesquisa confirma que este tipo de acordo de "livre comércio" beneficia única e exclusivamente as corporações multinacionais, especialmente as dos EUA, e representa um duro golpe na soberania das nações, um violento retrocesso nas normas democráticas e uma brutal regressão nos direitos sociais. Chama a atenção o quase silêncio da venal mídia mundial e brasileira na difusão dos já tão sentidos efeitos perversos do Nafta.
Desemprego nos EUA
Nem mesmo os trabalhadores norte-americanos, que aparentemente seriam favorecidos com o crescimento da economia, têm o que comemorar com a vigência deste acordo. Várias pesquisas indicam que os únicos beneficiados são as gigantescas corporações empresariais. "Os benefícios foram em tal escala que, já em 1994, economias da ordem de US$ 16 bilhões puderam ser feitas pelas grandes corporações apenas com gastos em mão-de-obra. Atualmente, os números são muito maiores", garante o especialista Gilberto Dupas [2].
Já para os assalariados, o resultado foi o aumento de desemprego, queda de rendimentos e precarização do trabalho. Estudos de sindicatos e ONGs norte-americanas comprovam que, entre 1994-2000, o Nafta eliminou 766 mil empregos nos EUA. "Muitas companhias se mudaram para o México para tirar proveito dos salários de 5 dólares ao dia pagos aos trabalhadores. Sem direitos trabalhistas e sindicais, os mexicanos não podem se organizar para aumentar seus salários. Os trabalhadores dos EUA hoje encontram trabalho com menos segurança e salários que equivalem a 77% do que originalmente recebiam" [3].
Noam Chomsky, conceituado intelectual norte-americano, foi um dos primeiros a alertar sobre os riscos do Nafta para os próprios trabalhadores de seu país. Conforme demonstrou, o acordo só seria viável para as corporações com a elevação do desemprego nas matrizes. Mão-de-obra barata e outras regalias no México eram a sua razão de existência. Tanto que várias corporações, como GE, GM e Ford, já apresentaram os seus planos de reestruturação industrial - em outros termos, de demissões - antes mesmo do início da vigência do Nafta. Além do fluxo de empregos, Chomsky previu a violenta queda de rendimentos nos EUA. "O pressuposto dos baixos salários do México pode ter um efeito gravitacional sobre os saldos dos americanos. Isto é aceito, inclusive, pelos defensores do Nafta, que reconhecem que, fora os trabalhadores especializados, o restante está exposto a ter salário mais baixo" [4].
Esta deterioração das condições de vida dos trabalhadores norte-americanos inclusive ajuda a entender a mudança de postura da poderosa central sindical do país, a AFL-CIO. Famosa por sua longa trajetória conciliadora e pró-imperialista, ela vem adotando nos últimos anos um comportamento mais ativo em defesa dos assalariados e dos desempregados, inclusive do enorme contingente de imigrantes latino-americanos. Atualmente, participa de inúmeras manifestações antiglobalização, como a ocorrida em Seattle, em dezembro de 1999, e faz críticas, mesmo que parciais e limitadas, ao Nafta e à ALCA.
Canadá: Colônia dos EUA
Deixando os Estados Unidos, que desmentem o mito do "paraíso" do Nafta, ingressamos no Canadá. Neste país, um dos mais ricos do mundo e há tempos na liderança entre as nações de melhores índices de desenvolvimento humano (IDH) da ONU, o quadro piora bem mais. Nos oito anos de vigência do acordo, o Canadá empacou no seu crescimento econômico, tornou-se mais dependente e vulnerável e assistiu a degradação social e do meio ambiente. Atualmente, muitos se questionam sobre o futuro do país enquanto uma nação soberana.
O jornal norte-americano The Washington Post, de setembro de 2000, indagou: "Haverá mesmo um Canadá dentro de 25 anos, ou o país vai se tornar, em questões práticas, o 51° Estado americano?" [5]. As respostas surgiram durante seminário, realizado no Royal York Hotel, que reuniu as 200 personalidades mais influentes do país para discutir o futuro da economia. Para John McCallum, economista-chefe do maior banco do país, "a possibilidade do fim do Canadá, ou do Canadá deixar de ter importância, precisa ser levada a sério".
Já Maude Barlow, líder da influente Council of Canadians, foi mais enfática: "Estamos, para todos os efeitos, tornando-se parte dos EUA... A luta pela preservação das características canadenses está, por assim dizer, terminada". Peter Newman, o principal historiador de negócios do país, trilhou o mesmo rumo: "Sem que os canadenses notem, a americanização da economia tornou-se uma realidade nova e perturbadora". Em artigo na revista Maclean's, em dezembro de 1999, ele já havia advertido: "Estamos, no fim do milênio, em vias de nos tornarmos colônia dos americanos - ainda com governo próprio, mas dependentes do dólar ianque".
O tom da matéria, em especial para um país com tanta riqueza, parece apocalíptico. Mas os dados da anexação em curso são contundentes. Segundo o mesmo artigo, atualmente os investidores canadenses despejam sua poupança no mercado acionário dos EUA e as firmas norte-americanas já engoliram várias empresas nacionais. O Canadá de hoje controla uma parcela bem menor da sua capacidade produtiva (cerca de 70%), inferior à situação dos outros países industrializados do mundo.
Neste novo tipo de colonialismo, quem sofre são os trabalhadores. Desde a implantação do Nafta, 276 mil trabalhadores canadenses perderam os seus empregos. A renda per capita no Canadá corresponde atualmente a menos de dois terços da renda nos EUA e analistas, como McCallum, prevêem que ela abaixará para 50% nesta década. Como decorrência da falta de oportunidades, cresce o número dos melhores cérebros que buscam seu futuro nos EUA. "Nos últimos anos, cerca de 25 mil canadenses mudam-se todo o ano, em caráter permanente, para o sul, incluindo 1% de contribuintes que ganham mais de US$ 100 mil por ano, uma parte dos reitores das maiores universidades e freiras e médicos suficientes para preencher 25% das vagas nas escolas de medicina e enfermagem do Canadá".
A colonização não se manifesta apenas no terreno econômico. Ela perverte a cultura e os valores nacionais. "Os 80% de canadenses que falam inglês agora têm preferências iguais às dos americanos: lêem os mesmos livros, acompanham as mesmas ligas esportivas e vêem os mesmos programas de TV e filmes. De modo geral, também comem os mesmos alimentos e compram os mesmos bens, consumidos cada vez mais nos mesmos restaurantes e varejistas. E, com a desvalorização do dólar canadense, que vale 67 centavos do dólar americano, pesquisas mostram que a maioria dos canadenses prevê que precisará trocar suas moeda pelas 'verdinhas' em 20 anos".
Numa outra entrevista, Maude Barlow afirma: "Essa história de livre comércio é um mito. Dizem que promove a competição, mas, na verdade, dá condições às grandes corporações de fazer as regras. Assim, elas podem comprar as empresas menores e tirar dos países o direito de proteger a indústria local. Foi o que aconteceu com o Canadá no Nafta. Os norte-americanos compraram nossas empresas de petróleo, gás, indústrias químicas. Para a América Latina, será pior ainda" [6]. Ela lembra ainda que o Canadá teve o maior aumento da taxa de pobreza infantil em todo o mundo industrializado desde o início do Nafta. "A economia cresceu, mas toda a riqueza ficou concentrada num pequeno grupo. Passamos a ter pessoas dormindo nas ruas e crianças passando fome".
Ela cita o "terrível capítulo 11 do Nafta" como prova da destrutiva hegemonia do capital. "É um capítulo que permite a uma corporação processar um governo de outro país. O Canadá, por exemplo, proibiu a Esso de usar determinada toxina na gasolina com o argumento de que era tóxica para as crianças. Se a gasolina fosse feita por empresa canadense, a proibição teria valido. Mas, pelo acordo do Nafta, uma empresa pode processar um país e pedir indenização se seus lucros forem afetados por mudanças na lei. A Esso processou o Canadá. O governo não só voltou atrás como deu US$ 20 milhões para a empresa e escreveu uma carta pedindo desculpas". Daí a sua conclusão: "Esse acordo é assassino".
O uso constante do Capítulo 11 é hoje um fator de dolorosa humilhação do povo canadense. Recentemente, a SD Myers, empresa norte-americana de eliminação de resíduos, forçou o governo a revogar a proibição de exportação de produtos perigosos. Além disso, impetrou com sucesso ação no valor de US$ 50 milhões por perdas durante a breve vigência daquela restrição. Já a Sun Belt Water, companhia de exportação de água da Califórnia, processou o governo canadense em US$ 14 milhões por sua proibição à exportação de água a granel.
Por pressão do Nafta, a Junta de Energia Nacional foi despojada de seus poderes e a lei de "salvaguarda de provisão vital", que exigia que o país mantivesse um excedente de 25 anos de gás natural, foi desmantelada. Atualmente não existe nenhum órgão do governo ou lei que garanta que os canadenses tenham provisão adequada de sua própria energia para o futuro. Curiosamente, os EUA impuseram, no âmbito do Nafta, uma reserva de 25 anos como necessária para "fins de segurança nacional".
Todo o sistema de distribuição de gás do Canadá foi abandonado, dando início a um ciclo frenético de construção de gasodutos de Norte a Sul. Os impostos de exportação sobre o fornecimento de energia canadense foram extintos, retirando do governo uma rica fonte de receitas e proporcionando aos clientes norte-americanos preços preferenciais como "clientes domésticos". O Nafta ainda impôs um sistema de "participação proporcional" pelo qual o fornecimento de energia canadense para os EUA está garantido por tempo indeterminado.
Pobre México
Chegamos ao México, pobre México! Se o Nafta já causa estragos nos EUA e no Canadá, o que dizer da situação do seu sócio mais frágil! Este país é a maior vítima deste projeto de anexação das corporações empresariais e do imperialismo norte-americano. Apesar de toda a propaganda da mídia internacional, ele não ganha absolutamente nada com a vigência do Nafta. O processo de regressão nestes oito anos é avassalador em todos os terrenos.
Nos anos 70, antes da implantação do acordo, a economia mexicana crescia, em média, 6,6% ao ano. Já nos anos 90, o crescimento despencou para 3,3%. Agora, com a freada da economia americana, a situação degringolou de vez. "O México entrou em recessão no ano passado. Seu déficit na balança comercial saltou quase 22% e suas exportações encolheram 5%. De resto, perdeu receita com a queda do preço do petróleo, produto que gera um terço de sua renda" [7]. A previsão do governo é que a economia cresça apenas 1,7% em 2002.
Todas as maravilhas do Nafta, alardeadas pelos apologistas neoliberais, mostraram-se um fiasco. Segundo a propaganda, o acordo incentivaria o ingresso de capital estrangeiro, alavancando o desenvolvimento econômico e a distribuição de renda. Mas este milagre não se confirmou. É certo que houve maior fluxo de capital externo para o país - que atingiu US$ 36 bilhões entre 1998/2000. Mas, no mesmo período, o déficit em conta corrente, resultado da remessa de juros e lucros para o exterior, em especial para os EUA, foi de US$ 48 bilhões. "Simplificando os termos: entraram US$ 36 bilhões; saíram US$ 48 bilhões" [8].
Outro desastre no campo econômico se deu com a dívida externa. No final de 2000, ela já superava os US$ 163 bilhões, mais do dobro da sangria em 1982 - exatamente quando eclodiu a crise da dívida externa do México, que abalou o mercado mundial. Além de elevar a vulnerabilidade externa, o Nafta agravou a dependência do pais. Antes da sua vigência, o México mantinha relações comerciais relativamente mais diversificadas, abrangendo vários parceiros. Hoje, entretanto, o país depende totalmente dos EUA. De lá provêem 74% das importações e para lá se dirigem 89% das exportações do país.
Deste quadro perverso, os cínicos apologistas do "livre comércio" ainda gostam de frisar o aumento das exportações como um trunfo do Nafta. Só que eles escondem alguns fatos comprometedores. Essas exportações são feitas por cerca de 300 empresas, a maioria delas filiais de norte-americanas. Isto sem falar das maquiladoras, que importam quase tudo do exterior e crescem às custas da mão-de-obra barata do México - 10 vezes inferior a dos EUA. Somadas, elas são responsáveis por 96% das exportações mexicanas; os 4% restantes se dispersam entre 2 milhões de pequenas fábricas que ainda não foram absorvidas pelo capital ianque e que sobrevivem, às duras custas, à avalanche neoliberal.
A indústria têxtil mexicana, por exemplo, aumentou suas exportações para os EUA nesta fase; mas, neste ramo, 71% das empresas são norte-americanas. Segundo vários estudos, para cada dólar de exportação industrial mexicana para os EUA, somente 18 centavos provêm de componentes nacionais. Já nas maquiladoras, para cada dólar exportado, o componente mexicano é de apenas 2 centavos. O processo de desnacionalização é violento.
Hoje é até um contra-senso falar em "economia mexicana". Bastante emblemático desta regressão colonial é que o atual presidente do país, Vicente Fox, foi gerente da ianque Coca-Cola. E os golpes não param de se suceder. No primeiro semestre de 2001, o Citibank comprou, por US$ 12,5 bilhões, o segundo maior banco do país, o Banamex. Atualmente, 83% do sistema financeiro está em mãos de bancos estrangeiros, na maioria dos EUA. A desnacionalização atingiu o seu cume com o "entrega" da companhia de petróleo, Pemex, que hoje serve como fiadora dos empréstimos feitos pelos EUA durante a crise de 1994.
E a devastação não ocorreu somente no setor manufatureiro. Na agricultura, o cenário é de verdadeira catástrofe. Em 1982, o México importava US$ 790 milhões de alimentos; já em 1999, passou a importar US$ 8 bilhões. De país exportador de vários produtos agrícolas, transformou-se num campo minado. Hoje é obrigado a importar dos EUA cerca de 50% de tudo o que consome. A "livre competição" com a agricultura norte-americana, que goza de altos subsídios e conta com uma base técnica mais avançada, foi fatal para o México. Sob o império do Nafta, a superfície agrícola plantada foi drasticamente reduzida e 6 milhões de lavradores mexicanos perderam suas terras e suas ocupações.
Aqui vale citar alguns exemplos. O México era um forte produtor de arroz. Mas a produção nacional foi substituída pela importação procedente dos EUA e hoje o país depende desta para alimentar a sua população. Ele também era exportador de batatas. Só que elas foram bloqueadas no mercado dos EUA, que colocaram barreiras fitosanitárias para impedir o seu ingresso. Resultado: seu mercado foi invadido pelas batatas norte-americanas. O país já foi um tradicional exportador de algodão. Hoje, é um dos maiores importadores dos States.
O resumo desta devastação é que hoje o México encontra-se mais dependente, endividado e vulnerável. Para usar uma expressão popular, ele está pendurado na brocha! Na análise sempre instigante de Emir Sader, presidente da Associação Latino-Americana de Sociologia (Alas), "ao acoplar seu destino ao dos EUA, aderindo ao Nafta, o México ficou totalmente submetido ao destino do seu vizinho do norte. Depois da crise de 1994, o país pegou carona no ciclo expansivo da economia norte-americana, recuperou seus índices gerais a tal ponto que tem 90% do seu comércio exterior com os EUA. Seria normal, portanto, que qualquer espirro ao norte do Rio
Grande trouxesse graves complicações para a margem de baixo do rio ... Na segunda parte dos anos 90, o México foi apresentado como modelo por parte dos organismos financeiros internacionais - funcionando como espécie de carta de apresentação para a ALCA. Hoje, o México ameaça transformar-se no seu contrário: o novo epicentro de crise social aberta das Américas, ou seja, uma carta negativa de apresentação da ALCA" [9].
Inferno das Maquiladoras
Nestes oito anos de imposição do Nafta, as maiorias vítimas do desmonte nacional foram os trabalhadores. Segundo dados oficiais, antes havia 11 milhões de pobres no país, cerca de 16% da população. Em 2001, o número de miseráveis pulou para 51 milhões, o equivalente a 58% dos mexicanos. Destes, 20 milhões são considerados indigentes. No mesmo período, o preço da cesta básica de alimentos aumentou 560%; já o salário real subiu apenas 135%. Atualmente, mais de 50% dos assalariados mexicanos recebem, em termos reais, menos da metade do que recebiam há 10 anos atrás. O trabalho informal, precário, abarca hoje mais de 50% da População Economicamente Ativa (PEA), perto de 20 milhões de pessoas.
"Desde que o Nafta entrou em vigor, o número de mexicanos que ganham menos de um salário mínimo aumentou em um milhão. Além disso, 8 milhões de famílias submergiram na pobreza" - despencando da situação anterior de "classe média" [10]. Relatório recente do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) indica que mais de um milhão de crianças mexicanas começam a trabalhar aos seis anos de idade e têm jornadas diárias de até 12 horas. "Tal como os adultos, são contratadas sem direito a benefícios e sem seguro social, vivem nas propriedades dos contratantes e geralmente estão expostas aos efeitos daninhos dos pesticidas... Se estima que mais de 40% das meninas e meninos jornaleiros de seis a 14 anos não sabem ler e nem escrever e que 69% não terminam o estudo primário. Embora a média nacional seja de sete anos de estudo, nas zonas rurais ela é de apenas 1,3" [11].
Deste quadro deprimente, a situação mais revoltante se dá nas maquiladoras - as empresas que se instalam na fronteira dos dois países, em cidades como Tijuana, Mexicali, Matamoros e Ciudad Juarez. "Maquila é um tipo de empresa que surgiu no México na década de 60, como forma de gerar empregos nas regiões pobres da fronteira com os Estados Unidos. Atuavam exclusivamente na montagem e etiquetagem de produtos exportáveis, a partir de componentes importados e sem respeitar as leis de trabalho e as normas ambientais. Uma atividade, portanto, que não agrega nem valor nem tecnologia. Com o advento do Nafta, o fenômeno se expandiu devido à inexistência de tarifas entre os três países, o que favoreceu a importação de componentes e a exportação de produtos acabados" [12].
"Com o aval e a proteção dos EUA, sob o arcabouço do Nafta, o México se tornou uma das opções mais rentáveis e estáveis para os investimentos privados. As agências avaliadoras de riscos atestam que o produto-país é confiável e lucrativo... Os atrativos são conhecidos: os salários mexicanos são em média 10 vezes inferiores aos norte-americanos, os impostos são reduzidos, a fiscalização é discreta e os lucros e os investimentos podem passear à vontade antes de voltar ao sólido terreno pátrio. Era o que faltava para proporcionar grande competitividade às cadeias produtivas norte-americanas" [13].
Atualmente existem no México cerca de 4 mil empresas deste tipo, também chamadas de "processadoras para exportação", produzindo acessórios eletrônicos, equipamentos mecânicos, produtos têxteis, brinquedos, comida enlatada e produtos químicos. A maior parte do capital, da matéria prima e até do gerenciamento é norte-americano, e quase toda a produção é exportada - a maioria sem qualquer tributação ou fiscalização. A violência da exploração nas maquiladoras beira a barbárie.
Segundo depoimentos de trabalhadores e sindicalistas, as maquiladoras se assemelham ao "inferno". São comuns as violações da precária legislação trabalhista mexicana; a repressão ou simples proibição da organização sindical; horas extras forçadas e maus tratos. Como 60% da mão-de-obra é formada de mulheres, são freqüentes as denúncias de abuso sexual. As mulheres, inclusive, são obrigadas a apresentar testes de gravidez como condição para sua contratação. Aquelas que engravidam e continuam no emprego correm o risco de gerar crianças com deficiências físicas, causadas pelo trabalho pesado e pela exposição a agentes químicos. Pesquisa do Comitê de Apoyo Fronteirizo Obrero Regional (Cafor) comprova que 76% das trabalhadoras apresentam dores pulmonares e 62% desenvolvem alergias e doenças de pele em conseqüência do constante contato com produtos químicos [14].
A cada ano, somente nas 800 indústrias maquilados instaladas em Tijuana cerca de 900 trabalhadoras são demitidas por estarem grávidas. Na Samsung, por exemplo, esta prática é comum. "A empresa, com três plantas na localidade e mais de 1.800 trabalhadoras por turno em idade reprodutiva - entre 16 e 35 anos -, obriga as mulheres grávidas a renunciar ou as colocam em postos de trabalho que requerem um esforço físico maior, segundo denuncia Elza Jiménez, coordenadora em Tijuana da organização Yeuani. Esta organização é a única que desde 1998 consegue documentar este tipo de abuso e levar aos tribunais trabalhistas uns 20 casos de mulheres despedidas por estarem grávidas" [15].
Além das péssimas condições de trabalho, a média salarial nas maquilados é de somente três dólares por dia. Normalmente os trabalhadores vivem nas chamadas "colônias" ou em favelas, sem eletricidade, esgotos ou água encanada. A instabilidade e a precariedade dos empregos gera enormes transtornos sociais. Tanto que muitos mexicanos procuram melhor sorte atravessando a fronteira com os EUA, iniciativa de alto risco nos últimos anos. Desde 1994, com a introdução do Nafta, aumentou a repressão nas áreas fronteiriças, inclusive com a criação da operação paramilitar racista Gatekeeper - de caça aos imigrantes. Em 1999, o número de mortes registradas nas tentativas de cruzar as fronteiras foi de 325; em 2000, pulou para 491. Já morreram mais pessoas no chamado "Muro da Vergonha", a cerca que separa o México dos EUA, do que em toda a história do Muro de Berlim.
O crescimento vertiginoso das maquilados também acelerou a degradação ambiental na região fronteiriça em decorrência da supremacia absoluta dos interesses econômicos das corporações empresariais. Em Matamoros, na fronteira do Texas, onde estão instaladas multinacionais como GM e AT&T, são comuns denúncias de crime contra a ecologia. O nível de agentes químicos nas fontes de água potável subiu 50 mil vezes. Segundo a ONG Texas Center for Policy Studies, somente em 1996, as maquilados depositaram cerca de 8 mil toneladas de agentes poluentes na fronteira. "No estado mexicano de Guerrero, 40% das florestas foram devastadas pela exploração predatória dos últimos anos, o que também provocou erosão do solo e destruição do habitat natural de inúmeras espécies" [16].
A degradação do meio ambiente gerou aumento vertiginoso de doenças em adultos e de deficiências em recém-nascidos. "Ao longo da fronteira, a incidência de algumas doenças, entre elas a hepatite, é duas ou três vezes mais elevada do que a média nacional", garante a Global Trade Watch, umas das mais renomadas ONGs do mundo [17]. E pelas normas do Nafta, o governo mexicano nem sequer tem poderes para adotar medidas de preservação ambiental - já que estas são consideradas "obstáculos aos investimentos".
Diante do exposto, tornam-se ainda mais sombrias as perspectivas da implantação da ALCA. Se para os trabalhadores dos EUA, Canadá e México o Nafta representou, nestes oito anos, menos soberania, menos democracia e mais regressão social, o mesmo destino ou pior está reservado aos povos de todo o continente. Como afirma uma das maiores autoridades neste tema, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, "é possível saber com razoável precisão como será a ALCA. A ALCA será como o Nafta. E naquilo que for diferente será diferente para ser mais favorável aos Estados Unidos" [18].
* Jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB e editor da revista Debate Sindical

NAFTA: processos de "investidores contra o Estado"
INTRODUÇÃO

Na primavera de 2001, o Presidente George W. Bush pediu ao Congresso Norte- Americano para que lhe delegasse, por um mandato de 6 anos, autoridade constitucional, reservada ao próprio Congresso, sobre o comércio internacional, através de um processo chamado "Fast Track" (trilha rápida). Bush pede esta autoridade (que seu governo está tentando renomear de Fast Track para "Trade Promotion Authority"- Autoridade para Promoção do Comércio), para expandir o NAFTA - Tratado de Livre Comércio Norte Americano. A proposta expansão do NAFTA, formalmente chamada "Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), ampliaria as regras do NAFTA para as 31 Nações Latino Americanas e Caribenhas, por volta de 2005.
A meta divulgada da proposta da ALCA é facilitar o comércio e intensificar a integração econômica, expandindo as medidas do NAFTA para eliminar as barreiras tarifárias e não-tarifárias para o comércio e investimentos por todo o hemisfério. Por isto, uma cuidadosa consideração do Relatório do NAFTA torna-se o centro para discussões sobre a "Fast Track" e a ALCA.
Sendo assim, este ano, a "Public Citizen" esta lançando uma série de reportagens sobre a performance efetiva do NAFTA, nos sete primeiros anos de sua existência. Esta reportagem analisa o capítulo sobre as bases para os investimentos, que reúne os novos privilégios e direitos expandidos para investidores estrangeiros que operem nas três nações do NAFTA: Estados Unidos, Canadá e México. Freqüentemente se diz que o NAFTA existe mais para acordos de investimentos do que para acordos comerciais. Agora os privilégios e proteções do investidor do NAFTA representam o âmago da proposta da ALCA.
As proteções ao investidor do NAFTA não têm precedentes em acordos multilaterais de comércio. Desde a decretação do acordo, os investidores associados dos três países do NAFTA têm usado esses novos direitos para desafiar políticas nacionais, estaduais e municipais de proteção ambiental e de saúde pública, contestar decisões jurídicas locais, e até leis federais e normas postais nacionais como sendo violações do NAFTA. Enquanto a maioria dos casos ainda estão pendentes, algumas empresas já conseguiram vencer esses desafios. (ver quadro que lista esses casos no final do Sumário Executivo.)
Marcadamente, o NAFTA também fornece aos investidores estrangeiros meios para reforçar, privadamente, seus novos direitos. Chamado de "resolução de disputa de investidores contra o estado" (investor-to-state"), este extraordinário mecanismo fortalece os investidores privados e as empresas para processar os governos signatários em tribunais especiais para obter compensação paga à vista para as políticas ou ações governamentais que os investidores acreditem violar seus novos direitos, na NAFTA. Se uma empresa ganha o caso, pode ser recompensada com quantias ilimitadas de dólares do contribuinte retiradas do tesouro da nação ofensora, mesmo que tenha recorrido ao judiciário e leis domésticas para obter este prêmio. Os partidários do NAFTA sustentam o argumento de que a extensão da proteção aos investidores e o mecanismo privado reforçado eram necessários para proteger os investidores contra o confisco do estado sobre a propriedade privada. (i.e., nacionalização). O México, que nacionalizou suas refinarias estrangeiras, em 1938, era o primeiro alvo destas preocupações.
Porém, a maioria dos processos abertos de "investor-to-state" têm tido pouco a ver com o confisco de propriedades que os partidários do NAFTA temiam. Ao invés disso, estes processos desafiaram as leis ambientais, regulamentações e decisões dos governos em níveis federal, estaduais e municipais.
o A Companhia Metalclad, baseada na Califórnia, contestou com sucesso o indeferimento pelo governo de uma cidade mexicana de uma permissão de construção de instalações para lixo tóxico.
o Interdições de toxinas suspeitas de trazer riscos à saúde e ao meio ambiente foram contestadas e o resultado de um dos casos já se reverteu contra uma interdição, pelo governo Canadense, de um aditivo para gasolina, o MMT;
o A implementação, no Canadá, de dois acordos ambientais internacionais já foram contestados com sucesso e, em breve, o Canadá vai ser obrigado a pagar os danos para os investidores americanos, em ambos os casos.
o Companhias estrangeiras obtiveram que dois processos já perdidos nos tribunais domésticos americanos sejam "re-ouvidos" pelo sistema "investor-to-state" do NAFTA. Um questionando o conceito de imunidade soberana, em uma disputa contratual com a Prefeitura de Boston e o outro questionando as regras de procedimento civil, o sistema jurídico e uma indenização por danos em um contrato com o estado do Mississippi.
o A empresa americana, United Parcel Service (UPS), abriu um processo contra a concessão governamental de Serviços de correio e encomenda postal pelo Serviço Postal Canadense; e
o Uma companhia canadense de fabricação de aço questionou uma lei federal "Buy America" para projetos de construção de vias expressas federais, nos Estados Unidos.
Este ataque extraordinário às atividades normais dos governos - tais como operações do sistema de justiça civil através dos tribunais, negação da permissão de construção ou estabelecimento de regulamentações da saúde pública e outros interesses públicos - atraíram as crescentes criticas às regras para investimento do 11º Capítulo do NAFTA . Para alguns republicanos e democratas, membros do Congresso que votaram pró NAFTA, estes casos tem demonstrado os resultados inesperados e indesejáveis do acordo. Foi prometido aos Republicanos que o NAFTA não atingiria a soberania e controle nacionais. Aos Democratas foi prometido que o NAFTA não minaria as leis domésticas nas questões de saúde e meio ambiente. A ambos foi prometido que o NAFTA não daria melhor tratamento aos investidores estrangeiros do que para negócios locais nem abriria o Tesouro Americano para novas demandas de investidores estrangeiros. Mas os casos do 11º Capítulo do NAFTA zombaram dessas promessas.
Dos 15 casos revistos neste artigo, os danos reclamados pelas companhias chegam a US$ 13 bilhões. Inicialmente, não muitos destes casos foram abertos baseados nessas provisões. Porém, uma vez que os primeiros investidores obtiveram ressarcimento de danos ou a reversão de políticas dos governos que eles atacaram, uma enxurrada de processos foram registrados.
A expansão dos novos direitos dos investidores do NAFTA para mais 31 países do Hemisfério Ocidental, via ALCA, tem o poder de gerar um número explosivo de novos casos. Embora esses casos possam drenar os cofres das nações mais ricas do hemisfério, o impacto potencial que esses casos causariam nos países mais pobres e fracos seria ainda mais alarmante.
O fato de que a solicitação do Presidente Bush, relativa à "Fast Track", está baseado no seu desejo de expandir as regras do NAFTA para todo o hemisfério ocidental através da ALCA, torna as questões do 11º Capítulo do NAFTA um ponto crucial do debate sobre a "Fast Track".
A expansão dos direitos concedidos às empresas privadas, sob o NAFTA, foi apenas um dos fatores que foram passaram desapercebidos pelo Congresso e pela media, devido ao fato de que, nos Estados Unidos, o NAFTA foi aprovada em um procedimento incomum de "Fast Track", que expirou em 1994 e foi utilizado somente 5 vezes, desde seu desenvolvimento, pelo Presidente Nixon, em 1974. Quando voga a "Fast Track", o papel do Congresso no desenvolvimento do conteúdo de acordos comerciais internacionais é extremamente limitado. Uma vez que o Congresso garante ao Presidente a "Fast Track", o Poder Executivo pode negociar o acordo e assiná-lo, fixando seu conteúdo, antes do voto do Congresso. Porque o papel do Congresso foi limitado a um ("post hoc") "sim ou não", sem permissão para fazer emendas. Muitos congressistas que votaram a favor do NAFTA não têm idéia de que essas cláusulas de direitos dos investidores eram o elemento central do seu conteúdo.
A utilização da "Fast Track," no caso do NAFTA, demonstra como este tipo de processo pode obscurecer uma análise significativa dos limites efetivos dos termos em um acordo proposto. Implicações potenciais de questões legais, de saúde pública e ambientais podem ser negligenciadas. Por causa do amplo conjunto de questões das leis domésticas implicados nas atuais negociações de comércio internacional, muitos consideram a "Fast Track" como um instrumento de política comercial ultrapassado. Como uma nova luta pela "Fast Track" foi travada no Congresso, no outono de 2001, as implicações dos casos do NAFTA revistos neste artigo na questão das políticas públicas e de soberania são forte argumento contra o uso da "Fast Track" para o desenvolvimento da ALCA e como um instrumento de determinação de decisões democráticas e de políticas públicas em geral.
Este artigo revê os casos mais relevantes de investimento do NAFTA com relação ao interesse público e à possibilidade de uma aceleração maciça de processos desse tipo, se os mesmos direitos dos investidores forem incorporados na ALCA. Como esses casos são decididos a portas fechadas, nos tribunais do NAFTA, fica difícil obter-se informações sobre os processos. De fato, não há nenhuma exigência de que o público ou o Congresso devam ser notificados de que um caso do 11º Capítulo do NAFTA foi registrado contra os Estados Unidos (ou contra qualquer outro estado). Isto leva a supor que, somados aos casos que nós conseguimos desvendar, outros casos podem ter sido registrados e mesmo resolvidos secretamente através de pagamentos já negociados ou ainda pendentes. Pesquisadores estão reduzidos a confiar nos relatórios finais dos casos, possivelmente incompletos, algumas vezes liberados pelo tribunal ao final de um processo e em apenas poucos documentos elaboradas às claras, a maioria dos quais escritos pela própria companhia autora das ações.
"Os casos que analisamos há muito tempo demonstraram que a mera diminuição no valor da propriedade, por mais que seja sério, é insuficiente para se considerar como um confisco ."
A análise dos casos do NAFTA, como um todo, nos obrigam a certas conclusões:

MAIORES DIREITOS FORAM CONCEDIDOS AOS INVESTIDORES ESTRANGEIROS DO QUE ÀS EMPRESAS OU AOS CIDADÃOS AMERICANOS
As regras de investimentos do NAFTA proporcionam novos direitos e privilégios para investidores estrangeiros, que vão significativamente além dos direitos concedidos aos cidadãos ou às empresas americanos pelas leis internas; essas regras, além disso, concedem aos investidores estrangeiros uma jurisdição exclusiva para solicitarem pagamentos com recursos dos contribuintes das perdas comerciais alegadas por eles. Em acordos comerciais e de investimentos prévios, insistia-se, tipicamente, em assegurar "tratamento nacional" aos investidores estrangeiros - que os investimentos ou bens estrangeiros obtivessem o mesmo tratamento dos negócios e produtos nacionais. Mas o NAFTA estabelece novos direitos exclusivos de reclamação de compensações para investidores estrangeiros às custas dos contribuintes, justamente pelo fato de serem submetidos às mesmas políticas que as companhias nacionais devem seguir.

AOS INVESTIDORES ESTRANGEIROS É PERMITIDO ESCAPAR DE OBRIGAÇÕES LEGAIS
Os tribunais do NAFTA para "investor-to-state" ("investidor contra o estado") disponibilizam um caminho para os litigantes requererem compensações do governo por danos ordenados pelos tribunais dos Estados Unidos. Em um processo do NAFTA, um enorme conglomerado canadense de funerárias, chamado Loewen Group, está usando as proteções do "investor-to-state" do NAFTA para, com efeito, reverter uma decisão judicial , no Mississippi , em favor da uma pequena funerária local que processou o conglomerado por quebra de contrato. Depois que o conglomerado se recusou a acordos, o júri descobriu que a Loewen estava engajada em uma variedade de ações fraudulentas e aplicou U$ 500 milhões em danos punitivos ou compensatórios. Loewen reclama que foi forçada a fechar uma acordo por U$ 150 milhões porque a Suprema Corte do Mississippi não cederia às leis normais de procedimentos civil, em favor da companhia. Estas regras exigem que se deposite uma caução ao entrar com um recurso em outra instância para que seus ativos não possam ser liquidados caso sua a apelação não seja atendida e ele ainda tenha que pagar pelos danos implicados. A Loewen está processando os cofres americanos ,através do NAFTA, para receber uma indenização de US$ 750 milhões, por esta "expropriação", quantia esta quase cinco vezes maior do que a caução depositada. O argumento da defesa dos Estados Unidos é de que uma decisão judicial num processo de um contrato civil não é uma "ação governamental", contra quem um investidor estrangeiro tenha direito de se utilizar das proteções concedidas pelo NAFTA. Extraordinariamente, o júri do NAFTA, no caso da Loewen, decidiu que não só a sentença judicial do Mississipi, em um processo contratual, é um legítimo alvo para um processo sob as regras do NAFTA, como também até agora não estabeleceu limites para os tipos de decisões judiciais domésticas que poderiam ser contestadas segundo o NAFTA. Se a Loewen for bem sucedida no processo do NAFTA, a empresa vai poder mandar cobrar a conta de seu comportamento ilegal aos contribuintes americanos. Outro privilégio não permitido às empresas americanas. Além do mais, este caso mostra como o NAFTA incentiva os investidores estrangeiros a resistir a negociações e acordos razoáveis, confiando na perspectiva de que qualquer decisão ou punição que lhes seja desfavorável poderá ser derrubada, usando o NAFTA.

DISPUTAS PUBLICAS, TRIBUNAIS PRIVADOS
Em vez de estabelecer novos mecanismos para resolver essas disputas de investidores-versus-Estado, o NAFTA utiliza dois sistemas de resolução de disputas já existentes - um que opera sob os auspícios do Banco Mundial, o outro sob os auspícios das Nações Unidas. Originalmente, esses dois corpos de arbitragem foram estabelecidos e destinados a julgar disputas privadas entre contratantes comerciais em casos precisos, lidando apenas com casos de direito privado e afetando apenas as partes privadas envolvidas. Assim, no passado, o fato de que esses processos eram estritamente confidenciais e que não houvesse acesso aos dados para o público ou para a imprensa não era problema para os interesses públicos. Porém, agora esses corpos julgadores fechados estão lidando com questões significativas de política pública. Segundo o NAFTA, todo um leque de regulamentações de interesse público - por exemplo, uma lei da Califórnia proibindo aditivos para gasolina que contaminavam os poços d'água naquele estado - e outras funções governamentais normais têm sido contestadas como violações do NAFTA. Os cidadãos de um estado têm que depender de agências federais (ministérios) para defender suas leis que foram criadas através de processos legislativos públicos e abertos, ao longo dos anos. Mesmo o procurados geral doa Califórnia não tem poder de intervir nesses casos relativos ao NAFTA. Os cidadãos residentes naquele estado não se podem fazer representar judicialmente nesses casos, e nem têm acesso à documentação e informações, não podendo ser nem mesmo observadores nesses tribunal do NAFTA. Entretanto, pode ser que um dia desses o dinheiro do impostos pagos por eles tenha que ser entregue a alguma empresa multinacional que exigiu um bilhão de dólares de indenização. A discussão sobre a adequação ou não desses tribunais privados para julgar disputas que afetam os interesses públicos tornou-se ainda mais urgente pelo fato de que o número de processos deste tipo dando entrada nesses tribunais, está aumentando aceleradamente sob as regras do NAFTA e de outros vários tratados bilaterais sobre investimentos. O corpo arbitrador do Banco Mundial julgou apenas 79 casos em 35 anos de sua história. Entretanto, metade desses casos se iniciaram apenas nos últimos 5 anos. A aceleração desse tipo de queixas junto a esses órgãos, combinada com sua natureza secreta e antidemocrática, e os vastos poderes desses tribunais para atribuir indenizações ilimitadas, a ser pagas com dinheiro público, às empresas ganhadoras tornam evidente a ameaça para o interesse público.

CUSTO POTENCIAL EM DÓLARES A SER PAGO PELO POVO
Afinal, são os contribuintes, pagadores de impostos, do país processado que terão que pagar a indenização à empresa que ganhar a causa em um processo NAFTA. Nos primeiros 7 anos de NAFTA, com apenas um pequeno número de casos desses iniciados, um total de 13 bilhões de dólares já foram reclamados por empresas privadas em suas demandas iniciais, que seriam pagos pelos cidadãos americanos (1 bilhão e 800 milhões) , mexicanos (294 milhões) e canadenses (11 bilhões)
No caso já citado contra a Califórnia, a empresa está exigindo 1 bilhão, que corresponde a 1,2 % do orçamento daquele estado americano como indenização pelo prejuízo que eles alegam ter tido por causa das leis de proteção ambiental que proíbe um aditivo na gasolina. Bastaria um certo número de casos desse montante para impactar significativamente os tesouros públicos de governos nacionais e levar esses governos a pressionar estados e municípios em busca de mais recursos.

OS ESTADOS E MUNICÍPIOS NÃO ESTÃO FORA DO ALCANCE DO NAFTA
Não só leis federais, mas também uma série de medidas dos estados e municípios têm sido igualmente contestadas com base no capítulo 11 do NAFTA.
No caso sobre lixo tóxico, envolvendo a empresa U.S. Metalclad, a decisão de um município mexicano de exigir um alvará de construção para a empresa poder fazer um depósito de lixo tóxico foi contestada com sucesso pela empresa como sendo ilegal frente ao NAFTA. O mesmo aconteceu com uma decisão do governo do mesmo estado mexicano de criar uma reserva ecológica, no mesmo caso, e o governo mexicano foi obrigado a pagar US$15,6 milhões de dólares de indenização. Num outro caso NAFTA, a decisão da Colúmbia Britânica de proibir a exportação de água de seus lagos e rio para impedir que fossem drenadas e levadas para a Califórnia em supertanques foi contestada por uma empresa californiana chamada Sun Belt. A empresa Mondev do Canada atacou as ações da Autoridade para o re-desenvolvimento de Boston, a prefeitura de Boston e a Suprema Corte do estado de Massachusetts num tribunal NAFTA num conflito imobiliário, alegando que o NAFTA está acima das leis comuns americanas de imunidade da soberania. Se é verdade que os tribunais que julgam os casos NAFTA não podem revogar leis, e tecnicamente os governos federais é que são passíveis de pena por qualquer prejuízo, os governos federais contam com vários caminhos nas legislações nacionais que lhes permitem exercer pressão sobre estados e municípios. Por exemplo, podem reter como "refém" a transferência de fundos devidos para projetos estaduais e municipais até que as leis locais que causaram problemas com as empresas e o NAFTA sejam revogadas ou que a autoridade local aceite pagar parte da indenização à empresa. Estados e municípios devem estudar essa questão e para compreender as implicações do NAFTA e do ALCA para a sua soberania e a governabilidade.

GOVERNOS SUJEITOS A INFINDÁVEIS RECURSOS NOS TRIBUNAIS
Em outro caso do NAFTA, um tribunal considerou razoável a interdição temporária de exportação do PCB , pelo Canadá, por razões ambientais (por um breve período no qual os EUA suspenderam suas interdições de importação do PCB). Porém, o mesmo tribunal também determinou que as ações do Canadá eram ilegais, de acordo com as regras do NAFTA, porque a maneira como o Canadá tentou implementar seus objetivos ambientais não era a menos restritiva possível ao mercado. O tribunal, aparentemente sem nenhuma especialização em políticas ambientais, propôs varias alternativas que o Canadá poderia ter adotado para alcançar desfechos similares. No caso da Califórnia, a empresa canadense, Methanex, está argumentando que o estado da Califórnia não poderia retirar da gasolina o aditivo MTBE (um provável cancerígeno, que é altamente solúvel em água, causando maior risco aos poços de água potável do que outros aditivos), mas que deveria lidar com o problema de contaminação do MTBE na água potável limpando os tanques que não estivessem bem vedados - um esforço de custo extraordinário que nem sequer iria remover todas as causas da contaminação da água por MTBE. Em um grande número de casos, as empresas argumentam que o próprio processo pelo qual uma lei foi implantada constitui uma violação dos seus novos direitos de investidores do NAFTA. No caso da Califórnia, a retirada do MTBE foi conseguida depois de um processo público de vários anos, durante o qual o estado realizou uma série de ações deliberativas, primeiro encomendando vários estudos, seguidos de enquetes e debates com a comunidade. Nos próximos meses o tribunal do NAFTA será autorizado a nos informar se essas práticas comuns da democracia devem ser consideradas violações dos direitos dos novos investidores do NAFTA.

PROCESSOS DO NAFTA DESENCORAJAM AS POLÍTICAS DE INTERESSE PÚBLICO
Em um outro caso ambiental, A U.S. Ethyl abriu um processo contra uma medida de caráter ambiental e de saúde pública do governo canadense que restringia o uso de um aditivo para gasolina, já enquanto a interdição ainda estava sendo debatida no Parlamento. As próprias regras do NAFTA requerem que as empresas esperem por seis meses depois das ocorrências que ocasionam a reivindicação, para então levantar a questão e tentar resolvê-la através de negociações antes de abrir um processo no NAFTA. O fato de um tribunal do NAFTA aceitar um caso como este, tentativa ostensiva para intimidar um corpo legislativo em seu processo de decisão, emite um sinal de alarme. Afinal, o Governo do Canadá decidiu o caso, revogando a restrição ao aditivo MMT na gasolina e pagando à companhia implicada US$ 13 milhões, antes mesmo que o tribunal do NAFTA desse seu veredicto final. Se semelhantes direitos do investidor forem incorporados, como está planejado, nas regras da ALCA, as grandes multinacionais terão um potencial extraordinário para intimidar governos dos países mais fracos e pobres do hemisfério. A mera ameaça de uma indenização por danos e as custas de um processo de defesa poderiam fazer com que as nações mais pobres concedessem tudo antes mesmo da disputa judicial, o que já é a tendência do que está ocorrendo com as nações pobres ameaçadas por questões levantadas na Organização Mundial do Comércio (OMC) na base de "estado-contra-estado".

ATAQUES AO PRINCÍPIO DA IMUNIDADE SOBERANA
Além das implicações do poder do tribunal do NAFTA em interferir e desacatar decisões governamentais, o princípio de imunidade da soberania, em si, foi agredido em um caso do NAFTA. A doutrina de "imunidade soberana" é um conceito legal secular, que determina que um governo não pode ser processado, a não ser que o caso seja expressamente permitido por lei. Muitos estados americanos abrem mão de sua imunidade soberana, já por estatuto, ou caso a caso. Um caso do NAFTA envolve a Mondey, uma empresa canadense, que meteu-se em uma prolongada disputa contratual com a prefeitura de Boston, sobre a opção de compra uma gleba de terra. Os argumentos da Mondey foram rejeitados pelo Suprema Corte do estado de Massachussets, nos termos da imunidade soberana. A Mondey "apelou" da decisão da corte doméstica americana em um tribunal do NAFTA. O ponto crucial na argumentação da Mondey era de que os novos direitos para investidores estrangeiros, garantidos pelo NAFTA, estão acima das proteções da imunidade soberana. Se o tribunal do NAFTA decide a favor da Mondey, não só estará "revertendo" uma decisão da Suprema Corte, mas, de novo, empresas estrangeiras terão garantidos direitos e privilégios que não são permitidos para as empresas americanas operando no solo americano. Além do mais, um princípio fundamental de jurisprudência do Direito Comum terá sido pisoteado por um tribunal do NAFTA, formado por 3 pessoas, com amplas repercussões para a governabilidade americana em todos os níveis.

EMPRESAS ESTRANGEIRAS TRATAM DE "FISGAR" INDENIZAÇÕES DOS GOVERNOS USANDO O NAFTA.
Outra tendência preocupante no Capítulo 11 dos casos do NAFTA é a tendência das empresas a solicitar compensações de instâncias do governo, mesmo quando seu real investimento no país processado não é evidente. Somente dois, dos 15 casos do NAFTA, tem a ver com circunstâncias que poderiam ser vagamente caracterizadas como confisco de propriedade. De fato, em vários desses casos do NAFTA não está claro qual "propriedade" o investidor tinha no país que está sendo processado. No caso PCB, não está nada claro qual o investimento que a companhia norte-americana tinha no Canadá; ela simplesmente tentou importar lixo de PCB do Canadá para tratamento e descarte no seu estabelecimento em Ohio (USA). Favorecendo a empresa, o tribunal do NAFTA decidiu, entre outras coisas, que "uma fatia de mercado" era um investimento legítimo segundo o NAFTA - significando que o simples fato de a companhia sempre ter podido importar lixo de PCB do Canadá para tratamento nos USA estabelece o direito de continuar, protegida pelo NAFTA. Esta é uma decisão judicial alarmante que poderia abrir precedente para novos processos gerados em função de acaparar uma maior fatia do mercado. No caso do comércio de água da empresa Sun Belt, a companhia norte-americana tinha pretensões a uma "joint venture" com uma companhia canadense, o que lhe permitiria exportar ague canadense em navios tanques para a Califórnia, mas a Sun Belt nunca reivindicou qualquer propriedade no Canadá. Seria necessário um grande esforço de imaginação para considerar estes casos como confisco de propriedade. Ao invés disto, a maioria dos casos trazidos pelo NAFTA mais se assemelham a reivindicações por "regulatory takings" ("tomas regulatórias") , não permitidos pelas leis norte-americanas.

AS PROTEÇÕES AMBIENTAIS DO NAFTA NÃO TÊM SENTIDO
O preâmbulo do NAFTA declara que os países se encarregarão de suas obrigações de uma maneira "consistente com a conservação e proteção ambientais". Mais adiante, o artigo 1114 do capítulo sobre investimentos professa a proteção do ambiente e previne uma competição ilimitada quanto aos padrões ambientais. Os tribunais do NAFTA não tem perdido tempo com estas cláusulas do tratado, a ponto de torna-las sem sentido. No caso do lixo tóxico, não houve nenhuma evidência de que o tribunal tenha ponderado as cláusulas de proteção ambiental, de maneira nenhuma, antes de tomar sua decisão final. A decisão judicial deixa muito claro que nenhum peso foi dado às considerações da comunidade quanto aos aspectos ambientais, razão pela qual as autoridades locais tentaram bloquear o entulho. Além disso o tribunal estabeleceu um número desconcertante de precedentes. Isto não só equiparou a negação de uma permissão de construção municipal e a criação de uma reserva ecológica com "expropriação", baseado no NAFTA, como alargou a definição de "expropriação" para incluir interferências "incidentais" com valor da propriedade, abrindo assim as portas para que qualquer tipo de zoneamento legítimo feito por um governo estadual ou local, possa ser contestado através do NAFTA. No caso PCB, um tratado ambiental que regulamenta o comércio de lixos perigosos, chamado Basel Convention, foi inicialmente considerado, pelo tribunal do NAFTA, mas acabou sendo totalmente deixado de lado.

OBRIGAÇÕES DE TODO O NAFTA E DA OMC IMPORTADAS PARA DENTRO DO CAPÍTULO 11.
Servindo-se do requerimento do Artigo 1105, de que os investidores devem ser tratados "de acordo com a lei internacional", as empresas tem procurado trazer para dentro dos litígios baseados no Cap. 11 todas as obrigações do NAFTA como um todo, tal como as regras de comércio internacional do Acordo Geral de Tarifas e Comércio e da OMC. No caso do lixo tóxico, o tribunal inapropriadamente, incluiu os compromissos de transparência, do Capítulo 18 do NAFTA, com respeito a publicações e administração de leis domésticas, no caso do Capítulo 11. No caso PCB, o tribunal do NAFTA decidiu que as proteções do capítulo 11 são aplicáveis mesmo que a companhia não tenha investido concretamente no Canadá, mas apenas procurado com afinco importar PCBs para ser descartados dentro dos EUA. Esta decisão judicial abre a possibilidade de que o capítulo do NAFTA para serviços administrativos (Capítulo 12), na sua totalidade, possa, agora, ser envolvido desnecessariamente nas sanções. Na verdade, em um novo caso, envolvendo um fornecedor de serviços postais, alega-se tratamento discriminatório, sob as regras dos Capítulos 11 e 12 do NAFTA. Além do mais, a questão central do caso da UPS baseia-se no ca. 15 do NAFTA que diz respeito a empresas estatais. Finalmente, no caso da MTBE, contra a Califórnia, a empresa tentou importa, como elementos chaves para sua argumentação, leis e jurisprudência da OMC. Se essa tendência continua, as possibilidades para queixas alegando o capítulo 11 do NAFTA crescerão desmesuradamente, submetendo os signatários do NAFTA e os contribuintes dos países membros a litígios sem fim e de alto custo.

ATÉ FALTA DE EDUCAÇÃO POR PARTE DE FUNCIONÁRIOS DOS GOVERNOS PODE SER UMA VIOLAÇÃO DO NAFTA.
Um dos motivos para iniciar uma ação de investidor vs. Estado é o Artigo NAFTA 1105 que garante um padrão mínimo de tratamento para investidores estrangeiros. O artigo afirma que "Cada parte deve lidar com investimentos de outro parceiro de acordo com as leis internacionais, inclusive tratamento justo e igualitário e total proteção e segurança." Anteriormente, em disputas de investimentos bilaterais, linguagem similar tem sido interpretada estritamente, aplicando-se a claras violações de leis internacionais, por exemplo, detenção sem julgamento. No entanto, painéis do NAFTA têm interpretado essa linguagem de forma a criar uma enorme panacéia que tudo engloba para empresas que acreditem ter sido tratadas injustamente. No caso canadense, o painel julgou contra a empresa nas alegações de que o governo canadense teria violado vários termos do NAFTA. Mesmo assim, o painel achou uma violação da garantia de um padrão mínimo de tratamento. O painel não achou uma violação de leis internacionais ou domésticas, mas achou que o comportamento mal-educado e super-detalhista dos representantes governamentais, ao dissecaram a papelada da companhia, era uma violação por si só. O julgamento neste caso alarga o Artigo 1105 para ser aplicado em qualquer instância em que uma empresa alegue ter sido tratada injustamente. Um recente esclarecimento feito em 31 de Julho de 2001 pelos governos NAFTA lida com esse tema tentando limitar a aplicação do artigo 1105 a tratamentos requeridos por lei internacional "costumeira". Mas essa interpretação não define o que se entende por "costumeiro" propiciando uma enorme oportunidade para a continuação da interpretação expansiva pelos tribunais.

DA DEFENSIVA À OFENSIVA
Várias empresas não estão nem tentando alegar expropriação quando iniciam casos do Capitulo 11 do NAFTA. Ao invés disso, elas parecem estar usando outras provisões do capitulo de investimentos do NAFTA para melhorar sua posição estratégica no mercado. Um exemplo gritante dessa manobra estratégica é o caso da UPS contra o Serviço Postal Canadense. A UPS alega que, porque a Canada Post oferece serviços postais públicos, ela não poderia também oferecer serviços integrados de frete e correio. A UPS alega que a vasta infra-estrutura da Canada Post é um subsidio de seus serviços de fretes e correio, ilegal segundo o NAFTA, dando ao Canada Post uma vantagem injusta no mercado. Numa era em que serviços de entrega públicos e comerciais muitas vezes se misturam, poucos serviços públicos, inclusive saúde e educação, seriam imunes a esse tipo de desafio corporativo. O caso da UPS demonstra uma das mais preocupantes tendências nos casos NAFTA tomados como um todo, que é a de que varias empresas estão saindo da posição de defesa (se protegendo contra toma de propriedades) e partindo para a ofensiva numa tentativa de escavar condições de mercado mais favoráveis ou maior participação no mercado.

* * * * Em 31 de Julho de 2001, a Free Trade Comission, composta dos três ministros do comércio dos países do NAFTA, emitiram um "esclarecimento" relacionado ao Capitulo 11 do NAFTA. O NAFTA permite que a Free Trade Comission emita interpretações das regras do NAFTA se forem aceitas por consenso.
O esclarecimento do Capitulo 11 lidou com dois temas. Primeiro, como resposta às crescentes criticas ao processo de portas fechadas, os ministros do comercio tentaram tratar do assunto da abertura em tempo de documentos de tribunais NAFTA. No entanto, a linguagem com a qual os ministros concordaram em seu esclarecimento ainda permite aos tribunais que decidam as diretrizes com respeito à liberação de outros documentos que não a sentença final, e tribunais poderiam barrar a liberação de qualquer documento ate que o caso seja resolvido. Alem disso, empresas têm requerido e conseguido ordens de confidencialidade por tribunais. Esta prática não foi proibida pelo esclarecimento. Afinal, o esclarecimento dos ministros do comércio pode ter um efeito limitado.
Segundo, o esclarecimento tentou resolver a confusão em torno do "padrão mínimo" de tratamento previsto no Artigo 1105 através da limitação dos direitos e proteções NAFTA àqueles previstos por lei internacional "costumeira". Infelizmente, a linguagem com a qual os ministros concordaram entra em conflitos com a linguagem clara do NAFTA e não define o que é incluído sob a rubrica de leis internacionais "costumeiras". Como resultado, embora sejamos instruídos de que uma interpretação tradicional e planejada, não sabemos qual corpo de leis está incluído, restando em seu lugar o que acaba sendo um padrão aberto que pode ser usado para contestar esforços de proteção do meio ambiente e do interesse publico.
Enquanto isso, ao emitir esse limitado esclarecimento, os ministros do comércio daS três nações NAFTA negaram-se a lidar com os problemas fundamentais do Capitulo 11 que foram levantados por legisladores e analistas políticos nas três nações. As provisões de tomas regulatórias ("regulatory takings") do Artigo 1110 pegaram fogo, mas os ministros se negaram a oferecer uma interpretação dessas provisões ou a limitar de qualquer forma sua utilização, a despeito das interpretações cada vez mais expansivas do artigo por tribunais do Capitulo 11 do NAFTA, que continuam a tratar políticas domésticas ambientais e de saúde não discriminatórias como tomas regulatórias.
Essas provisões radicais de tomas regulatórias deveriam ser retiradas do NAFTA e mantidas fora da ALCA. Infelizmente, a administração Bush rejeitou essa exigência do Congresso. O Congresso deve assegurar que qualquer delegação "fast-track" de sua autoridade constitucional de comércio ao Executivo garanta que os problemas do Capitulo 11 sejam remediados, e de modo nenhum ampliados.
Na medida em que mais desses casos NAFTA são arquivados e decididos, as proteções do Cap. 11 do NAFTA ao investidor e esse mecanismo privado de sua aplicação e julgamento estão atraindo cada vez mais vigilância para com o modelo NAFTA de tratados de comércio internacional e para procedimentos, tais como o Fast Track, que conduziram ao desenvolvimento de tais tratados. Estes casos estão nos ensinando uma nítida lição: sob as regras do NAFTA, os governos têm que estar prontos e capazes de indenizar todos os investidores estrangeiros afetados, mesmo que apenas marginalmente, pelas suas mais fundamentais funções regulatórias.
INVESTIDORES E SEUS NOVOS DIREITOS E PRIVILÉGIOS NAFTA
Sob novas regras NAFTA, um "investidor" que tem poder de usar o sistema de sanções do Capitulo 11 do NAFTA, é alguém que faça um investimento sob o NAFTA. Uma longa lista de atividades comerciais constitui um "investimento" sob a definição do NAFTA, inclusive:o Uma empresa (definida como uma entidade legal privada ou pública, inclusive qualquer empresa, depósito em custódia, parceria, propriedade privada, empreendimento conjunto ou qualquer outra associação),

  • fundos de segurança de uma empresa,
  • garantias de débito de uma empresa,
  • um empréstimo a uma empresa,
  • interesses em uma empresa que habilitem o dono a renda ou lucros,
  • bens imóveis ou outra propriedade usada para fins comerciais, e
  • juros certos derivados do comprometimento de capital
Sob o sistema NAFTA de resolução de disputas entre investidores e estados, apenas os parceiros do NAFTA podem ser autuados. Isso significa que os governos federais do México, Canadá e Estados Unidos devem defender esses casos levantados por investidores privados. No entanto, uma série de políticas e leis municipais e estaduais são expostas a questionamentos pelos investidores, sob as garantias de novo investidor do Capítulo 11 do NAFTA. Uma "medida" governamental que pode ser questionada sob as regras do NAFTA como infringindo direitos do investidor inclui "qualquer lei, regulamento, procedimento, requerimento ou prática". Governos municipais e estaduais, cujas orientações políticas sejam questionadas como violações do NAFTA têm que entregar aos governos federais a defesa de seus interesses.
O Capítulo 11 do NAFTA contém um número de novos direitos e proteções para investidores. Há 5 direitos ou privilégios primários que investidores reivindicaram ter sido violados nos 15 processos de investidores contra o estado revistos neste relatório:

O artigo 1110 do NAFTA garante aos investidores compensação advinda dos cofres públicos (i. e. contribuintes) dos governos do NAFTA para qualquer direito de expropriação dos mesmos (i.e. nacionalização) ou qualquer outra ação que "seja equivalente" à uma expropriação ou uma expropriação "indireta". Esta cláusula de "equivalência" tem sido usada para abertura de processos reivindicando que as políticas regulatórias dos governos, incluindo aquelas que tratam os investidores domésticos e estrangeiros da mesma forma, sejam equivalentes a ou expropriações "tomas" porque elas restringem as ações dos investidores. Esta cláusula é a base de reivindicações de "tomas regulatórias" que ocorreram sob o Capítulo 11.
o O artigo 1102 do NAFTA inclui uma provisão de "tratamento nacional" que requer dos governos tratar os investidores estrangeiros dos países signatários do NAFTA não menos favoravelmente do que os investidores domésticos com respeito a todas as fases e aspectos do investimento, desde o estabelecimento inicial de um investimento até a liquidação do mesmo.

  • O artigo 1103 do NAFTA prevê "tratamento de nação mais favorecida", uma cláusula que exige dos governos dar aos investidores estrangeiros signatários tratamento não menos favorável do que o melhor tratamento dado a investidores de qualquer outra nação signatária ou mesmo não signatária, ainda que este tratamento seja melhor do que o dado a investidores domésticos.
  • O artigo 1105 do NAFTA contém uma cláusula de "tratamento padrão mínimo", que diz que investidores devem receber tratamento "de acordo com a lei internacional", incluindo "tratamento justo e eqüitativo e proteção e segurança completos". Esta vaga abrangência tem sido usada em vários processos de investidores contra o estado para expandir dramaticamente as proteções das empresas investidoras do NAFTA.
  • O artigo 1106 do NAFTA proíbe o uso de "exigências de performance", tais como regras de conteúdo doméstico e outras medidas gerais no sentido de limitar os investidores pela exigência de certa conduta ambiental ou moldando os termos de um investimento estrangeiro para assegurar benefícios econômicos também locais.
    Se uma empresa acredita que um governo violou estes direitos e proteções do NAFTA, ela pode iniciar um processo de resolução obrigatória de disputa e requerer uma indenização fora do sistema jurídico do país. Estes casos do NAFTA, de investidores contra o estado, são litigados por grupos de árbitros especiais de comércio internacional que são fechados para participação, observação ou intervenção popular. O cumprimento da decisão emitida por esses grupos de árbitros, que não permite apelações, é obrigatório. Dois corpos de árbitros, que estão descritos na próxima seção, estão listados no Capítulo 11 como jurisdições para sanção privada dos termos do NAFTA: A Comissão das Nações Unidas sobre as Leis de Comércio Exterior - (UNCITRAL) E O Centro Internacional dos Bancos Mundiais para Resolução de Disputas de Investimentos (ICSID). Estas duas jurisdições não permitem acesso público ao processo e à sua documentação como é garantido em cortes nacionais. Antes, um tribunal composto por três árbitros profissionais se reúne a portas fechadas para ouvir os questionamentos das partes. Ao invés de agirem como conciliadores, os membros deste tribunal tornam-se ao mesmo tempo juízes e jurados e podem ordenar que uma nação membro do NAFTA deve pagar uma quantia ilimitada de dólares dos contribuintes como indenização para a empresa cujos direitos do NAFTA, segundo a conclusão dos três árbitros, foram prejudicados.
FALSAS PROMESSAS QUANTO À ECOLOGIA
Enquanto o NAFTA fornece uma lista de obrigações nas ações regulatórias dos governos, novos direitos e privilégios para investidores estrangeiros e forte reforço privado destas regras, os termos escassos do NAFTA com respeito a ambiente ou outras considerações de interesse público são simplesmente exortatórios. Notadamente, o preâmbulo não-obrigatório do NAFTA estabelece que as facções decidem fortalecer o desenvolvimento e reforço das leis e regulamentações ambientais, bem como promover desenvolvimento sustentado. Somando-se a isto, o Artigo 1114 do capítulo de investimento do NAFTA contém teor da língua para proteger o ambiente. O artigo 1114.1 estabelece que nada, no Capítulo 11 pode impedir um Partido de manter medidas para assegurar que um investimento seja menosprezado de uma maneira ambientalmente suscetível. O Artigo 1114.2 estabelece que as partes não "devem" encorajar investimentos, relaxando, desistindo ou depreciando a saúde doméstica, segurança ou medidas ambientais com o objetivo de encorajar investimentos. É lógico, ao contrário das regras dos direitos do investidor do NAFTA, esta cláusula é tolerante e não obrigatória. O termo "devem" é usado para estabelecer os direitos do investidor, enquanto os termos ambientais "devam" ser encontrados. Esta linguagem ambiental é também sem valor porque foi quase inteiramente desconsiderada pelos tribunais do NAFTA nas disputas de investidor contra o estado, principalmente quando avaliando proteção ambientam contra direitos dos investidores sob o NAFTA.

Embora um tribunal do NAFTA, em uma disputa de investidor contra o estado, não possa ordenar diretamente um país a anular a lei ou a política em questão, as nações sofrem tremenda pressão para fazer exatamente isso como meio de protegerem-se da obrigação de pagar indenizações futuras ao investidor por causa de suas políticas. De fato, no primeiro processo de "investidor versus estado" do NAFTA que foi julgado, envolvendo a Ethyl Corportation, dos EUA, o Canadá foi levado a rescindir suas medidas de proteção ambiental e de saúde pública que regulavam um aditivo para gasolina desenvolvido pela Ethyl, mesmo antes do término da resolução do tribunal do NAFTA, numa tentativa de impedir uma enorme indenização por danos. Além disso, quando uma medida estadual ou municipal é questionada com sucesso sob o NAFTA, o governo federal é que fica com o encargo da indenização - criando enorme incentivo ao poder federal para pressionar governos locais a rescindirem tais políticas ou a pagar indenizações por perdas e danos.
As "expropriações" que foram reivindicadas usando o capítulo de investimentos do NAFTA nada têm a ver com o sentido de confisco de propriedade que o governo adota e que é geralmente entendido sob esse termo. As cortes norte-americanas sustentaram uma definição estrita de expropriação, também chamada "arrecadações", baseada no requerimento constitucional de que os donos de propriedades sejam compensados quando sua propriedade for colocada para uso público (i.e. para a construção de uma rodovia). Empresas e grupos conservadores contra a proteção ambiental, tais como o movimento pelos direitos de propriedade chamado "wise-use", trabalharam por mais de duas décadas para alargar a noção de expropriação e abranger o que eles chamam de "tomas regulatórias", para criar pressão visando reverter as políticas governamentais de zoneamento, de proteção ambiental e outras políticas. Por exemplo, grupos pró direito de propriedade lançaram ataques legais contra o Endangered Species Act usando as teorias de "toma regulatória". No entanto, a maioria desses casos tiveram pouco sucesso nas cortes norte-americanas. Além do mais, tentativas de legislar um sobre um direito legal baseado nas "arrecadações regulatórias" falharam repetidamente no Congresso dos Estados Unidos. Em 1993, a Suprema Corte Americana regulamentou que "nossos casos estabeleceram que apenas a diminuição do valor da propriedade, apesar de sério, é insuficiente para caracterizar uma "toma".
Agora, as empresas vêm usando o acordo de investimento do NAFTA para tentar obter compensação pela grande quantidade de políticas de interesse público que a Corte dos Estados Unidos determinou que não são "tomas regulatórias". A maioria dos processos do NAFTA, de investidores contra o estado, não envolve nacionalização ou confisco de propriedade. Além disso, o alvo dos ataques dos investidores estrangeiros são as ações governamentais reguladoras de proteção ambiental, de saúde pública e de zoneamento e outras, que somente impactam perifericamente o valor de um investimento,. O teor do capítulo de investimento, prevendo compensação por ações governamentais "equivalentes" a expropriação, cria direitos sem precedentes para investidores estrangeiros atacarem, todos os dias, os poderes dos governos municipais e estaduais, de uma maneira que vai muito além do que é permitido pelas leis domésticas existentes em qualquer dos três países do NAFTA.
Esses direitos ampliados dos investidores e constrangimentos às funções normais de governo não existem nos acordos WTO ou em qualquer outro grande acordo multilateral. Eles estão incluídos somente no NAFTA e também aparecem em um número crescente de tratados de investimentos bilaterais. Porém, existem planos em andamento de incorporar essas provisões extremas na proposta de expansão do NAFTA para 31 nações, pela chamada de Área Livre de Comércio das Américas (ALCA).
O texto sobre investimento do Capítulo 11 do NAFTA foi claramente o ponto de partida para as negociações da ALCA. Amplos direitos e privilégios ao investidor são um dos principais objetivos das empresas multinacionais que são os principais promotores da ALCA. Esses interesses não conseguiram aprovar legislação sobre "tomas regulatórias" no Congresso dos EUA. Não conseguiram ampliar o modelo de privilégios do investidor do NAFTA para uma proposta global de acordo ou investimento multilateral. Sua última estratégia é de preservar e entender esse modelo NAFTA de novos privilégios e direitos extremos do investidor através da ALCA.
Uma versão do texto de investimentos da ALCA , que "vazou", revela o potencial para incluir direitos do investidor na ALCA ainda mais amplos do que no NAFTA. Enquanto a ALCA tem sido retratada como uma nova negociação com outros países no Hemisfério Oriental, não existe nenhuma dúvida que o radical capítulo sobre investimentos do NAFTA está no seu âmago. Na verdade, um esboço inicial do texto da ALCA inclui, num capítulo de investimentos, exatamente a mesma linguagem do NAFTA.
Informações sobre os casos de "investidores contra o estado" do NAFTA são difíceis de encontrar. Porque não há, para os tribunais NAFTA, nenhuma obrigação de informar sobre o andamento dos casos, nem o público nem o Congresso podem estar certos do número total de casos. O presente relatório analisa apenas os casos conhecidos como ainda pendentes.
RESOLUÇÃO DE DISPUTA DE UMA EMPRESA DO NAFTA: REFORÇO PRIVADO DE UM TRATADO PÚBLICO.
O Capítulo 11 do NAFTA lista dois corpos de arbitragem internacionais nos quais as disputas de investidores contra o estado podem ser ouvidas. Estes dois corpos operam com regras e procedimentos similares que excluem o público enquanto ouvem os investidores com ouvidos simpáticos. O Centro Internacional para Estabelecimento de Disputas de Investimentos (ICSID), opera sob os auspícios do Banco Mundial. Ele começou a operar em 1966 como uma arma de implementação para um tratado internacional chamado A Convenção no Estabelecimento de Disputas de Investimentos. A Convenção passou para o ICSID o papel de administrar o completamente novo sistema de arbitragem estabelecido na Convenção para lidar com as disputas entre países e investidores privados estrangeiros. O novo sistema destinava-se sobretudo a lidar com casos envolvendo disputas contratuais específicas entre governos e empresas contratantes , não questões sérias de políticas públicas.

O alcance institucional do ICSID aumentou com a adoção das "Regras de Facilidades Adicionais", em 1978. Estas regras permitiam procedimentos mesmo quando nem o país do investidor ou o país que estava sendo questionado não pertenciam à Convenção da ICSID. Em 1994, ICSID incorporou um novo papel, quando foi escolhido pelos negociadores da NAFTA como um dos dois corpos de arbitragem que poderia atender as disputas de investidores sob o Capítulo 11 do NAFTA. Desde que nem o México nem Canadá são membros do ICSID, qualquer caso do NAFTA envolvendo partes dos Estados Unidos e um daqueles dois países teriam de ser trazidos ao ICSID sob as "Regras de Facilidades Adicionais". Enquanto isso, qualquer caso de disputa de "investidor versus estado", envolvendo ambos, Canadá ou México, teria de ser trazidos sob as regras da UNCITRAL.
Apesar do crescimento rápido em acordos de investimentos bilaterais, nos últimos anos, o número de casos trazidos ao ICSID foi limitado até bem recentemente. Nos últimos anos, porém, nos termos da Secretaria Geral do ICSID, "as comportas então, parecem abrir-se". Mais da metade processos da ICSID foram iniciados desde o começo de 1997: 49 processos foram registrados desde então - nove a mais do que toda a história pregressa da ICSID.
Além disso, enquanto muitos dos casos iniciais do ICSID envolviam disputas contratuais privadas, tem havido uma recente explosão de casos baseados em acordos de investimentos. O primeiro caso sob um Tratado de Investimento Bilateral foi trazido em 1987, e dos 36 casos trazidos sob os tratados de investimentos, 30 o foram desde o começo de 1997.
O processo de arbitragem dos casos no ICSID é fechado e não se tem obrigação de prestar contas a ninguém. Os tribunais de arbitragem para os casos ICSID são apontados na base do caso-a-caso, e não há exigências para que os árbitros tenham anteriormente prestado serviços em funções semelhantes.
Ainda mais espantosamente, geralmente as partes envolvidas no caso é que indicam os membros do tribunal, um sistema que pode ser apropriado para disputas contratuais privadas, mas não para questões de políticas públicas. Mais freqüentemente, inclusive sob o NAFTA, o investidor e o país envolvido apontam um árbitro, e os dois árbitros iniciais, então, escolhem um terceiro que serve como árbitro presidente. Se as partes não entram em acordo sobre o terceiro árbitro, a Secretaria General do ICSID pode escolher este terceiro membro de um painel de árbitros do ICSID, apontados pelos países membros.

ICSID fornece apenas uma informação mínima ao público sobre os casos. ICSID publica apenas informações básicas na sua página da Web, como quem são as partes envolvidas, a data da reclamação e os árbitros e não publica documentos no curso do processo. Além disso, não há possibilidade de participação de observadores, fora das partes interessadas, e não há processo de apelação padrão tais como os encontrados nas cortes domésticas. A quase total falta de transparência e de participação popular no ICSID, combinados com o vasto poder dos tribunais para garantir uma infinita quantia de dólares dos contribuintes para as empresas que o NAFTA defende, coloca questionamentos, por exemplo: será essa uma jurisdição de arbitragem apropriada para tão significativas questões de interesse público?
O processo da UNCITRAL é ainda mais fechado e isento de responsabilidade do que o da ICSID. UNCITRAL é a Comissão das Nações Unidas sobre Lei de Comércio Internacional. Ele adotou um conjunto de Regras de Arbitragem, em 1976, que partes de qualquer país podem usar. Uma vez que nem México nem Canadá são membros da Convenção do ICSID, qualquer caso de investidor do NAFTA no qual ambas as partes são destes dois países devem ser julgados pelas regras do UNCITRAL. Nenhuma outra disputa do Capítulo 11 pode ser julgada pela UNCITRAL.
As regras da UNCITRAL para os próprios procedimentos de arbitragem são bem parecidas com aquelas da ICSID, inclusive as regras para a seleção dos árbitros. No entanto, diferentemente da ICSID, a UNCITRAL fornece somente um conjunto de regras e não tem página na Internet para os casos do NAFTA: eles nem sequer têm um staff profissional para fornecer uma assessoria administrativa para os procedimentos da arbitragem, isto é, não há uma secretaria e um arquivo desse tribunal. Não se reúnem nem compilam as decisões finais e por isso elas não podem ser postas à disposição do público. De fato, UNCITRAL não colhe e por isso não torna públicas nem mesmo informações básicas sobre casos concluídos ou pendentes. O histórico dos casos conduzidos sob suas regras não é conhecido. Além do mais, uma vez que UNCITRAL não tem um comitê para supervisionar os casos, não há medidas que permitam a revisão das decisões desses tribunais. As regras da UNCITRAL não prevêem a revisão de uma decisão nem mesmo quando aparecem novos fatos significativos.
Por isso, o processo sob a UNCITRAL proporciona ainda menos transparência e participação popular do que sob as regras da ICSID. Sob as regras da UNCITRAL, um caso pode desenvolver-se por anos a fio sem que o povo fique a par sequer de que ele existe.

Como demonstram os casos descritos com detalhes neste relatório, este sigilo dos processos tem beneficiado os investidores estrangeiros em detrimento do interesse público.
PRINCIPAIS CASOS DO CAPÍTULO 11
ETHYL versus CANADÁ

A Ethyl é uma companhia química baseada na Virgínia com uma longa e controvertida história. Em 1922, Ethyl começou a produzir chumbo de tetraetil, o aditivo usado para fazer gasolina com chumbo, que aumenta a performance do motor de veículos. Logo após iniciada a produção, muitos trabalhadores de sua fábrica de New Jersey começaram a ter alucinações e convulsões agudas. Mais tarde, cinco destes trabalhadores morreram. Só 50 anos mais tarde é que o governo federal dos Estados Unidos agiu no sentido de eliminar o chumbo da gasolina. Naquela altura, numerosos estudos demonstraram que o escape e derramamento do chumbo da gasolina estavam contaminando o solo e a água de superfície e penetrando na corrente alimentar. O chumbo do escape dos automóveis estava atingindo até os cérebros das crianças americanas, causando danos no desenvolvimento neurológico.Nos anos 50, a Ethyl Corporation desenvolveu um novo aditivo para gasolina chamado "methylcyclopentadienyl manganese tricarbonyl" (MMT) , também para melhorar a performance do motor. MMT contém manganês - uma conhecida neurotoxina humana. Uma fórmula concentrada de MMT é produzida nos Estados Unidos, depois importada pelo Canadá pela subsidiária canadense da Ethyl, onde é diluída em uma fábrica em Ontário e vendida para as refinarias de gasolina canadenses.

INTERESSE PÚBLICO
Em 1977, MMT foi banido do uso em gasolina sem chumbo pela Califórnia, que possui suas próprias leis de limpeza do ar, e pela Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA) devido a preocupações ambientais e de saúde pública. Embora pouco se soubesse sobre os perigos específicos apresentados ao público pelas partículas de manganês advindas dos canos de escapamento dos carros que usam combustível com MMT, os perigos da inalação de manganês eram conhecidos desde o século XIX. Manganês transportado pelo ar foi descoberto como causador de perdas neurológicas incapacitantes e sintomas similares à doença de Parkinson, nos trabalhadores de minas de manganês. Uma série de estudos ocupacionais de operários de uma fábrica baterias, trabalhadores de siderúrgicas e outros trabalhadores, conduzidos nos anos 90, foi caracterizada em um jornal de saúde pública como "inegável evidencia de neurotoxicidade associada com baixo nível de exposição ocupacional" ao manganês no ar.
Com este pano de fundo, o Parlamento Canadense impôs uma interdição sobre a importação e o transporte interestadual do MMT, em abril de 1997. Como o MMT era produzido somente nos EUA, a interdição de transporte efetivamente removeu o MMT da gasolina canadense. O Canadá adotou esta medida por muitas razões. Primeiro, enquanto o Canadá estava trabalhando para diminuir os níveis de emissão dos veículos, fabricantes de automotivos estavam recomendando o não uso do MMT porque o produto prejudicava o funcionamento apropriado dos catalisadores (catalytic converters) e de outros equipamentos que ajudam a controlar as emissões dos motores. Os funcionários públicos canadenses estavam conscientes de que o MMT poderia enfraquecer os esforços do Canadá para controlar a poluição do ar e poderia contribuir para formação de gases de estufa que contribuem para o aquecimento global. Além disso, o Canadá estava consciente dos potenciais efeitos na saúde da exposição de operários e motoristas às partículas de manganês no ar, via MMT. Embora os perigos potenciais para a saúde humana não fossem totalmente conhecidas, o Canadá agiu preventivamente, como tinham agido o estado da Califórnia e a EPA dos EUA, até que maiores informações estivessem disponíveis

ATAQUE DO NAFTA
Em 10 de setembro de 1996, enquanto a interdição prospectiva estava sendo debatida no Parlamento Canadense, a Ethyl Corporation notificou o governo do Canadá de que, se houvesse restrições ao MMT, iria abrir um processo para indenização sob o capítulo de investimentos do NAFTA. O Parlamento resistiu a essas ameaças e aprovou a interdição dali a um ano, em abril de 1997. Naquele mesmo mês, a Ethyl abriu um processo sob o Capítulo 11 do NAFTA (investor-to-state) contra o governo canadense, na UNCITRAL, pedindo uma indenização de US$ 251 milhões por danos. A Ethyl argumentou que o NAFTA garantia seus novos direitos e privilégios face ao governo canadense e que a interdição canadense do MMT resultava numa expropriação de seus ativos proibida pelo NAFTA, segundo seu Artigo 1110. Além disso, a Ethyl argumentou que a interdição era uma violação das regras do Artigo 1102, que requerem tratamento nacional para investidores estrangeiros, porque elas proíbem importações mas não a produção local do MMT. Finalmente, a empresa argumentou que a interdição era uma "exigência performática" proibida pelo Artigo 1106 do NAFTA, porque requereria à Ethyl construir uma fábrica em todas as províncias canadenses para adequar-se à interdição de transporte e fazer investimentos de MMT no Canadá. RESULTADOS
Foi constituído um tribunal do NAFTA na UNCITRAL para ouvir o caso da Ethyl. Inicialmente, o Canadá contestou o processo do NAFTA, reclamando que a interdição de MMT não era uma "medida" coberta pelo Capítulo 11 do NAFTA, e que a Ethyl não tinha esperado os seis meses exigidos, depois da interdição ter sido aprovada e implementada, antes de abrir uma contestação jurídica. Em 24 de junho de 1998, porém, o tribunal do NAFTA rejeitou a contestação canadense, abrindo o caminho para que o caso continuasse. Logo após este andamento inicial, o governo do Canadá decidiu fazer um acordo com a Ethyl. Em 20 de julho de 1998, Canadá reverteu a interdição do MMT, pagou US$13 milhões em emolumentos legais e por danos para a Ethyl Corporation, e emitiu uma declaração de que "informação científica corrente" não demonstra a toxicidade do MMT nem que MMT prejudica o funcionamento dos sistemas de diagnósticos dos automóveis, para o uso da Ethyl em publicidade.

IMPLICAÇÕES
Pague ao Poluidor

A alegação da Ethyl Corporation de que as restrições ao MMT "expropriaram" os investimentos da companhia e a decisão do tribunal do NAFTA de aceitar a reclamação e permitir que ela prosseguisse sobre os méritos da questão constitui um novo limite significativo e potencialmente perigoso ao exercício das funções básicas do governo. Os governos devem poder regular um produto por razões de proteção ambiental e de saúde pública sem ter que pagar à companhia que importa a substância. Efetivamente o caso estabelece uma nova proteção para os investidores estrangeiros sob o NAFTA, para além do que é reconhecido pelas leis dos EUA.

Intimidação
Ameaçando iniciar um processo do NAFTA já antes que a lei fosse aprovada e burlando os encaminhamentos domesticas para contestar uma lei ou regulamento, a Ethyl pendurou uma ameaça de danos monetários futuros sobre a cabeça dos legisladores. Enquanto o Parlamento Canadense cedeu à pressão, o número de ameaças de "contestações comerciais" por parte das empresas está aumentando. O registro de ameaças similares no WTO mostra que elas podem ter um efeito deprimente para as futuras políticas de interesse público que estão sendo estudadas pelo governo e freqüentemente resultam em atos de defesa antecipados por parte dos governos, cedendo e mudando uma política para evitar um questionamento comercial - como fez o Canadá, neste caso.

Enfraquecendo a Habilidade do Governo se precaver
Neste caso, o NAFTA foi usada para reduzir uma forte proteção doméstica de interesse público. Ciente do paralelo entre os dois componentes organometálicos - chumbo de tetrathyl e MMT - e não querendo uma repetição da devastadora história do chumbo na gasolina, o Parlamento Canadense agiu de acordo com o Principio Precautório. O Princípio Precautório é geralmente entendido com o significado de que nos processos onde haja risco de saúde pública ou ambiental, mas em que os dados correntes são insuficientes para quantificar ou avaliar exatamente o risco, o governo tem o direito e a responsabilidade de pender para o lado da segurança. O princípio é baseado no fato de que a ciência nem sempre fornece oportunamente as informações necessárias para autoridades desviarem as ameaças à saúde pública e ao ambiente. Como o exemplo do gás com chumbo ilustra, às vezes são necessários anos e numerosos de estudos de longo prazo para compreender profundamente os perigos de um novo produto. As regras do NAFTA e do WTO viram o "Princípio Precautório" de ponta cabeça e exigem provas de que o produto causa danos antes de que uma ação regulatória possa ser instituída. Ambos, Canadá e EUA estão atualmente realizando estudos aprofundados, de longo prazo, necessários para melhor entender os perigos do MMT. Neste meio tempo, consumidores das duas nações estão sendo expostos a esta mistura potencialmente perigosa.

Processo exitoso
O Processo da Ethyl no NAFTA conseguiu sucesso contra o Canadá, fazendo-o reverter a interdição do MMT. Este sucesso encorajou outras empresas a usar as regras de investimento do NAFTA para questionar políticas governamentais. Até hoje, foram apresentados mais casos contra o Canadá do que contra qualquer outro país do NAFTA.

METALCLAD versus MUNICÍPIO DE GUADALCAZAR, MÉXICO
Em 1990, o Governo Federal Mexicano autorizou uma companhia mexicana chamada Coterin a operar uma estação de transferência de lixo perigoso no estado de San Luis Potosi. A Coterin queria expandir sua área para se tornar um aterro de lixo perigoso mas foi-lhe negada uma permissão municipal de construção, em 1991 e 1992, pela municipalidade local de Guadalcazar. E 1993, Metalclad, uma empresa baseada na Califórnia, comprou a Coterin e a estação de transferência de lixo. Por 30 anos a atividade principal da Metalclad envolvia instalação de isolantes e remoção de asbestos para seus clientes, industriais, comerciais e agências públicas, na Costa Oeste dos EUA. No México, a Metalclad logo retomou os esforços da Coterin para expandir a estação de transferência em um aterro permanente e fábrica de processamento de lixo tóxico. A Mecalclad conseguiu as permissões estaduais e federais mas não a permissão municipal de construção, como havia acontecido com a Coterin.

INTERESSE PÚBLICO
Sob a gerência da Coterin, a área estava contaminada com 55,000 tambores, ou 20.000 toneladas de lixo tóxico e potencialmente explosivo. A geologia da região envolve uma hidrologia complexa com buracos de escoamento ativos e correntes subterrâneas. Estudos indicam que o solo da área é muito instável o que poderia permitir que o lixo tóxico se infiltrasse no subsolo e espalhasse contaminação através das fontes profundas de água e também das correntes superficiais intermitentes que se formam somente na estação das chuvas. Em 1991, a comunidade local se mobilizou para interromper o despejo de lixo ali. Eles bloquearam caminhões, chamaram autoridades federais, e conseguiram fechar as instalações. Muitos anos depois deste esforço vencedor, a comunidade local ainda estava preocupada com os danos ambientais causados pelo depósito e se opuseram fortemente à sua reabertura.
Em 1994, a municipalidade local de Guadalcazar ordenou que Metalclad cessasse a construção na nova área para lixo tóxico, devido à ausência de permissão municipal de construção. A Metalclad solicitou a permissão mas continuou a construção enquanto o processo de permissão estava em andamento. Em 1995, a companhia encomendou uma avaliação ambiental com inspeção de autoridades ambientais federais. A avaliação considerou a área adequada para o projeto, mas o relatório foi rapidamente contestado pelo Greenpeace do México e por um grupo ambiental local. A construção do projeto se completou em março de 1995, ainda sem a permissão municipal apropriada, mas a companhia está impedida de abrir as portas e operar na área devido à oposição local e às manifestações públicas. Em dezembro de 1996, Metalclad notificou o México de que pretendia processá-lo sob o Capítulo 11 do NAFTA. Em 23 de setembro de 1997, o Governador de San Luis Potosi declarou a área como parte de uma zona ecológica especial para preservação de diversidade biológica única e muitas espécies raras de cactos.

ATAQUE DO NAFTA
Em 2 de janeiro de 1997, Metalclad processou o governo do México , sob as regras de investimento do NAFTA, pedindo US$90 milhões. A Metalclad alegou que as ações do governo municipal resultaram em expropriação sem compensação, proibida pelo Artigo 1110 do NAFTA. Além disso, a companhia reclamou que o governo do México não lhes deu justo e equiparável tratamento de acordo com a lei internacional, conforme exigido no Artigo 1105 do NAFTA.

CONSEQÜÊNCIA
Em 30 de agosto de 2000, um tribunal especial do NAFTA, operando sob as regras do Centro Internacional de Bancos Mundiais pelo Estabelecimento de Disputas de Investimento (ICSID) Regras de Facilidades Adicionais, indenizaram a Metalclad com US$16.685.000. O tribunal sustentou que a negação da permissão de construção, como a criação de reserva ecológica constituíram expropriações "indiretas" que violavam o Capitulo 11 do NAFTA. Alem disso, o tribunal sustentou que o México violara as regras de padrões mínimos do NAFTA porque a companhia foi conduzida a acreditar que as permissões estaduais e federais que lhes tinham sido concedidas permitiam a construção e operação de seu aterro. O tribunal decidiu que tendo tolerando as ações da municipalidade e das autoridades estaduais e federais que não foram capazes de esclarecer a situação para a Metalclad, o México falhou no seu dever de fornecer "uma estrutura transparente, clara e previsível para os investidores estrangeiros". (como um observador salientou, o tribunal do NAFTA, na verdade, criou um dever para o governo federal do México de pegar a companhia pela mão e conduzi-la através da complexidade das leis estaduais e municipais mexicanas. Além disso, o governo federal mexicano foi obrigado a assegurar que as autoridades dos vários níveis de governo federal, estadual e municipal, nunca dessem opiniões contraditório - uma tarefa extraordinária para qualquer governo).

Chegando a uma conclusão com respeito transparência, o tribunal importou as obrigações de transparências do Preâmbulo do NAFTA (Art.102) e do Capítulo 18 para o Capítulo 11. Notadamente, o tribunal também presumiu uma competência expansiva e estabeleceu que, sob a lei doméstica mexicana, a insistência da municipalidade e a negação da permissão de construção eram impróprias. Usando o raciocínio circular, o tribunal não só argumentou que aconteceu uma violação da lei doméstica, mas também equiparou esta suposta violação da lei doméstica com uma violação de lei internacional sob o Artigo 1105 do NAFTA, alargando significativamente o já abrangentíssimo Artigo 1105. O tribunal também determinou que os mesmo fatos que criaram a violação do Artigo 1105 também constituíram uma expropriação sob o Artigo 1110, equiparando assim um processo de violação com uma expropriação.
Em um lance sem precedentes, em outubro de 2000, o governo do México questionou a decisão do tribunal do NAFTA em uma Corte Canadense, alegando erro de arbitragem. Esta petição foi iniciada na Colúmbia Britânica porque sob as regras da ICSID, um lugar de arbitragem deve ser encolhido pelo tribunal, e nesta instância Vancouver foi escolhido pelo tribunal. Uma vez que o local de arbitragem foi escolhido, as leis locais sobre arbitragem entram no jogo. Em uma decisão judicial restritiva que não questionou a legitimidade da utilização de um processo de arbitragem comercial para esses processos do NAFTA, o Juiz David Tysoe da Suprema Corte da British Colúmbia emitiu uma decisão separada. Em 2 de maio de 2001, o Juiz Tysoe sustentou que o tribunal do NAFTA errou quando importou a transparência das regras do Capítulo 18 para o Capítulo 11 do NAFTA.
Como conseqüência, Juiz Tysoe derrubou a maioria dos argumentos do tribunal NAFTA com respeito ao Artigo 1105, relacionados com as ações da municipalidade e com as obrigações do México de criar um ambiente claro e previsível para investidores. Mas o juiz determinou assim somente porque tribunal baseou seus argumentos em uma seção errada do NAFTA. Conseqüentemente, ele derrubou a opinião do tribunal de que houvera violação do Artigo 1110. Porém, o juiz concordou com o tribunal do NAFTA quanto aos méritos de que as ações do governo constituíam expropriação. Como conseqüência, o Juiz reduziu a indenização devida a Metalclad adiando o cálculo da indenização para quando o Governador expedisse o decreto fazendo a área uma zona ecológica. O México inicialmente anunciou que poderia apelar da decisão em uma corte maior, mas em 13 de junho de 2002, a Metalclad anunciou que o México concordou em pagar o montante ordenado pelo Juiz Tysoe, de US$ 15,6 milhões.
IMPLICAÇÕES
Controle local enfraquecido

Revendo a decisão do Tribunal do NAFTA, o Juiz Tysoe notou que a definição do tribunal para expropriação era "suficientemente abrangente para incluir um legítimo re-zoneamento pela municipalidade ou outra autoridade de zoneamento," mas concluiu que "a definição de expropriação é uma questão de lei com a qual esta corte não tem o direito de interferir." Requerimentos de permissão e controle do uso de terras ambientais no nível local são comuns nos 3 países do NAFTA. Os governos locais não devem ter seus julgamentos questionados ou enfraquecidos pelos tribunais do NAFTA.

Decidindo questões de lei local
O tribunal do NAFTA se sentiu competente para decidir questões complicadas da lei doméstica mexicana, i.e., se uma permissão municipal devia ser exigida. Não apenas o tribunal acha que as ações do governo municipal resultam em expropriação, mas foi além ao dizer que a municipalidade "agiu fora de sua autoridade" negando a permissão de construção baseada em questões ambientais, invadindo a substância da lei doméstica Mexicana, ao declarar que a "autoridade exclusiva para estabelecer e permitir aterros sanitários de lixo perigoso é do governo federal Mexicano". Pior, quando em face de uma escolha entre a interpretação da Metalclad sobre Leis domésticas Mexicanas e a interpretação do governo mexicano de suas próprias leis, o tribunal do NAFTA optou pela interpretação da empresa. O lugar apropriado para uma disputa tão significativa sobre o conteúdo de uma lei doméstica é uma corte doméstica.

Descuido do NAFTA pelas Questões Ambientais
Enquanto o tribunal do NAFTA assumiu o que dizia o preâmbulo do NAFTA para apoiar seus raciocínios tendenciosos no caso, é evidente que o tribunal ignorou completamente outras partes do preâmbulo que apoiavam o desenvolvimento sustentado e a proteção ambiental. O tribunal também ignorou o Artigo 1114 do Capítulo 11, que pretende proteger as nações do NAFTA de uma disputa arrasadora em matéria de padrões ambientais. Ao contrário, o tribunal da Metalclad estabeleceu que apesar de achar que o Decreto Ecológico exigia mais fundamentos para se chegar a um veredicto de expropriação, o tribunal decidiu que "não é necessário considerar a motivação ou intenção para a adoção do Decreto Ecológico".

Alargando a Definição de Confisco
O tribunal do NAFTA no caso da Metalclad definiu expropriação não apenas como "confisco deliberado e reconhecido" de propriedade, mas também como "interferência invertida ou incidental" no uso da propriedade. Esta definição de confisco é claramente mais abrangente do que a permitida pelas Cortes americanas e poderia ter um efeito avassalador na capacidade das nações do NAFTA de levar a cabo funções regulatórias tradicionais dos governos.

"A maioria das seleções de lugares para uma aterro sanitário, nos padrões ambientais do governo Mexicano, foram violadas por este projeto. Por que haveria uma Companhia norte-americana de selecionar um local que já tem problemas e de selecionar um parceiro que tenha demonstrado graves irresponsabilidades? " Fernando Bejarano, Mexico Network on Free Trade, (RMLAC)"Toxic Shock in a Mexican Village," Multinational Monitor, Oct. 1995.
Sigilo
Finalmente, está evidente que o tribunal do NAFTA não viu problema em questionar o México sobre suas obrigações de proporcionar um ambiente comercial transparente para empresas, apesar de ele mesmo, o tribunal, operar a portas fechadas. Os cidadão de San Luís de Potosi não puderam nem mesmo ser parte no caso. Mesmo os governos estaduais e municipais, cujas ações estavam sendo questionadas, não tiveram nenhuma participação no caso e tiveram que confiar no governo federal mexicano, que havia sido incentivador do projeto da Metalclad, para defender seus interesses. O governo federal é livre de consultar ou não as autoridades estaduais e municipais sobre o caso.

LOEWEN versus JÚRI DO MISSISSIPPI
O Grupo Loewen é um conglomerado de agências funerárias baseado no Canadá que adquiriu agressivamente mais de 1.100 agências funerárias por todo o Canadá e Estados Unidos. O caso Loewen no NAFTA surgiu no contexto de aumento da consolidação do mercado funerário dos EUA, uma vez que muitos conglomerados tinham adquirido ou derrubado do mercado as empresas independentes menores. Este fenômeno atraiu a atenção pública por causa de subseqüentes abusos contra os consumidores e muitas investigação das práticas anti-competitivas de negócios funerários. Uma investigação da Time Magazine de 1996, sobre indústria de funerárias acusaram que "Loewen e outras companhias que lidam com a morte estariam concorrendo para comprar o maior número possível de agências funerárias independentes - não por um desejo de repartir a economia resultante da escala e cortar o custo dos funerais - mas sim para empurrar os preços mais para cima."

INTERESSE PÚBLICO
Em 1994, o Grupo Loewen foi processado na corte estadual do Mississipi por um executivo da Biloxi chamado Jeremiah O'Keefe. O'Keefe alegou que a Loewen, como parte da estratégia para dominar o mercado funerário local, cometeu vários atos ilícitos, anti-competitivos e predatórios a fim de empurrar para fora do mercado a empresa funerária local de O'Keefe e companhias seguradoras, violando leis estaduais. Esta não era nem a primeira nem a última vez que a Loewen iria parar na corte dos Estados Unidos. Em 1996, Loewen acertou um caso de quebra de contrato similar por US$ 30 milhões. O Massachusetts Attorney General ficou tão preocupado a posição da Loewen, já perto do monopólio, na área de Cape Cod, que ordenou à companhia a renúncia de um certo número de agências funerárias.

Depois de um tribunal rever a reivindicação de O'Keefe, um júri do Mississipi concordou com ele. Furioso com o comportamento da Loewen, o júri determinou uma indenização de US$260 milhões. Segundo com um jurado, "O Grupo Loewen... claramente violou todos os contratos que teve com O'Keefe... Se existia um caso indefensável, acredito que era este." Porque o júri decidiu uma quantia na fase de julgamento do processo e não na fase condenação, Loewen teve a escolha de aceitar o veredicto do júri ou voltar ao mesmo júri para a fase final do processo. Loewen escolheu voltar à corte, mas desta vez o júri aumentou a indenização para US$ 500 milhões. Ironicamente, os advogados de O'Keefe tentaram determinar o caso antes mesmo do julgamento começar; US$5 milhões era o número que eles tinham em mente, mas eles estavam autorizados a aceitar até menos do que isto.
Loewen decidiu apelar do veredicto do júri em uma corte mais alta. Antes de proceder com o apelo, a companhia procurou ser isentada de uma regra estabelecida de procedimento da corte civil. O regulamento estadual, que é idêntico ao regulamento nacional de procedimento civil, exige que os defensores de perdas que queiram prosseguir um apelo sem começar a pagar indenizações ao autor da ação devem comprar um título público (que corresponde a depositar uma caução) equivalente a 125% da indenização devida. Para comprar um título, o defensor irá dar uma entrada em dinheiro de 10% do título, e o restante pagará empenhando bens. O propósito desta regra é impedir os réus de usar o alongamento do processo de apelação para esconder ativos da empresa ou isentar-se de outro modo qualquer. O Requerimento da Loewen para ser dispensado do cumprimento dessa exigência legal foi rejeitado, e a Loewen apelou da decisão à Suprema Corte do Mississipi. Em 1996 a Corte Suprema do Mississipi rejeitou a apelação da Loewen. Antes que depositar a enorme caução ou tentar outros caminhos legais, a Loewen decidiu negociar o caso com O'Keefe e em 29 de janeiro de 1996, a companhia entrou num acordo de aproximadamente US$150 milhões, 30% do veredicto do júri e mais do que 30 vezes o valor que a companhia poderia ter aceito quando o caso começou.
ATAQUE DO NAFTA
Esse acordo, porém, não foi o final da história. Em 30 de outubro de 1998 a Loewen abriu um processo contra os EUA na ICSID, sob o capitulo de investimento do NAFTA. Embora a Loewen só tenha pago uma fração da indenização estabelecida pelo júri, a companhia está demandando US$725 milhões em compensação dos cofres públicos, argumentando que o veredicto do júri, as indenizações e o requerimento do título do Mississipi (que é idêntico ao requerimento federal), todos violaram seus novos direitos de investidor, garantidos pelo NAFTA. Em especial, a companhia reclamou que o juiz autorizou o advogado queixoso a apelar para "preconceito anti-canadense, racial e de classe" de um júri do Mississipi como violação às regras de tratamento nacional do Artigo 1102 do NAFTA. (Em resposta a essas alegações, o governo dos EUA argumentou os comentários por um advogado privado em uma disputa de contrato privado não constituiu uma "medida" governamental coberta pelas regras do NAFTA, nada que a Loewen nunca tenha contestado esses comentários no processo.) A companhia também reclamou que o requerimento da compra do título forçou efetivamente a Loewen a fazer acordo e assim impediu que a Loewen exercesse seu direito de apelação contra a violação do Artigo 1105 requerendo tratamento justo e equiparado. Finalmente, Loewen argumentou que "o veredicto excessivo, a negação do apelo, e o acordo coercivo eram equivalentes a uma expropriação não compensada, em violação do Artigo 1110 do NAFTA."

RESULTADO
A Loewen representa o primeiro caso em que uma determinação de um júri popular tenha sido questionada sob o NAFTA. Em março de 1999, ICSID formou um tribunal do NAFTA para ouvir a consistência do caso de Anthony Mason (Austrália), L. Yves Fortier (Canandá), e o ex-congressista e Juiz da Corte Federal dos EUA Abner J. Mikva. Em 9 de janeiro de 2001, o tribunal emitiu uma decisão interina rejeitando uma variedade de argumentos dos EUA, inclusive o argumento de que uma decisão judicial em litígios de contratos privados não constitui uma medida governamental sujeita ao NAFTA. Ao invés disso, o tribunal aceitou a jurisdição do NAFTA, surpreendendo vários observadores. Além disso, o tribunal não estabeleceu os limites de quais tipos de ações ou decisões da corte ele considera cobertas pelas regras do NAFTA. Este regulamento, por meio disso, abre para a possibilidade de que todas as decisões das Cortes nacionais, mesmo as da Suprema Corte Americana, estejam agora abertas para revisão pelos incontáveis tribunais do NAFTA. Uma decisão final nos méritos deste caso está ainda pendente.

IMPLICAÇÕES
Uso do NAFTA para garantir a imunidade. Direitos especiais de apelação.
O caso da Loewen poderia assinalar fortemente para negociantes estrangeiros que eles podem evadir a justiça questionando os trabalhos das cortes estaduais, municipais e federais nos tribunais do NAFTA. Empresas estrangeiras que perderam seus casos de delitos nos EUA podem usar o NAFTA para tentar escapar da obrigação jogando o custo de suas indenizações para os contribuintes americanos. Em contraste, os cidadãos e homens de negócios americanos devem cumprir os regulamentos das cortes americanas.

Atacando o sistema legal americano pela costas.
O sistema jurídico dos EUA garante um papel forte para os jurados. Um tribunal de júri é amplamente visto como uma importante salvaguarda para corrigir o desequilíbrio entre os simples cidadãos e os interesses dos mais poderosos ou opulentos. Somado a isto, atacando o princípio de um tribunal de júri, o caso Loewen ataca o sistema de justiça civil americano, que permite aos jurados mandar fortes avisos aos réus que abusam de seu poder e de sua riqueza para prejudicar consumidores, poluir o ambiente e livrar-se da lei através da através de acordos prévios. Em suma, o Grupo Loewen esta argumentando que o sistema de justiça civil dos EUA é ilegal de acordo com o NAFTA.


"Forum Shopping"
É irônico que a Loewen acabasse pagando US$150 milhões quando ela poderia ter feito acordo por menos do que US$5 milhões, no início do processo civil e se salvado assim de anos de litígio. A Loewen está procurando usar a força do NAFTA para forçar os contribuintes a pagar por seus fracassos legais e estratégicos nas salas dos tribunais. O fato da Loewen ter mais uma possibilidade de apelação no sistema de resolução de disputa do NAFTA deve ter aliviado a empresa da pressão que ele deveria normalmente sentir apara definir o caso rápida e facilmente no sistema da corte dos EUA. Se a Loewen obtiver sucesso no caso do NAFTA, mais empresas estrangeiras podem olhar o NAFTA como o lugar ideal para se obter "passe livre pra fora da cadeia".

POPE & TALBOT versus CANADA
Pope & Talbot é uma companhia madeireira baseada o estado de Oregon que opera três serrarias na British Colúmbia, no Canadá. A companhia exporta madeira da British Colúmbia pra os Estados Unidos. Uma parte destes carregamentos entra livre de taxas até o limite estabelecido pelo governo do Canadá sob uma cota global determinada pelo acordo comercial entre EUA e Canadá chamado US -Canada Agreement on Trade in Softwood Lumber.

INTERESSE PÚBLICO
O Softwood Lumber Agreement era um acordo comercial gerido pelas empresas que acabou em março de 2001 quando não foi renovado entre as partes, embora os EUA tenham tentado uma prorrogação. O acordo estabelecia uma cota máxima de importação de madeira que poderia entrar nos EUA livre de taxas, vinda das 4 províncias canadenses exportadoras de madeira. O acordo foi assinado em 1996 para evitar uma guerra comercial sobre as reclamações das industrias americanas de que o Canada estava injustamente subsidiando companhias de corte de madeira. O ponto crucial das disputas eram os impactos que as diferentes políticas de desmatamento aplicadas pelo Canadá e pelos EUA causavam sobre as indústrias de madeira em seus respectivos países. A Comissão Internacional de Comércio dos Estados Unidos sustentava que o governo canadense subsidia a produção de madeira estabelecendo os preços que as companhias madeireiras pagam por direitos de colheita (conhecido como "taxa de derrubada de árvores") nas terras públicas em níveis artificialmente baixos. Quase a totalidade das florestas Canadenses (93%) pertencem ao governo. Em contraste, mais da metade (58%) das terras para desmatamento, nos EUA, são propriedades privadas. Ambientalistas também argumentaram que as políticas de desmatamento do Canadá promovem a colheita intensiva nas florestas canadenses e a liquidação da madeira por uma mera fração do seu valor real.

ATAQUE DO NAFTA
Em 25 de março de 1999, Pope & Talbot abriu um processo do NAFTA baseado no Capítulo 11, no tribunal da UNCITRAL alegando que a maneira como o Canadá implementou os acordos de produção de madeira violaram os direitos da companhia sob o NAFTA. A companhia reclamou, especialmente, que o sistema de cotas estabelecido pelo U.S - Canada softwood Lumber Agreement violaram o tratamento nacional e o padrão mínimo de garantias de tratamento fornecidos pelos Artigos 1102 e 1105 do NAFTA e impuseram à companhia o cumprimento de exigências que eram proibidos pelo Artigo 1106 do NAFTA. A companhia argumentou que seus investimentos foram "expropriados" em violação ao Artigo 1110 do NAFTA no montante de US$570 milhões, uma quantia mais tarde reduzida a US$380 milhões. O argumento complicado se concentrava na alegação de que , embora a Pope & Talbot tenha recebido tratamento similar ao de outras companhias na British Colúmbia, ela foi tratada menos favoravelmente do que as companhias de corte de madeira que operam em outras partes do Canadá que não estão sujeitas às cotas do Softwood Lumber Agreement.

RESULTADOS
Em 26 de junho de 2000, um tribunal especial operando sob as regras do UNCITRAl estabeleceu um parecer parcial. O tribunal sustentou que eram necessários mais audiências no requerimento da Pope & Talbot pretendendo tratamento nacional e os padrões mínimos de tratamento, mas rejeitou outras reclamações, inclusive as de expropriação. Em 10 de abril de 2001, o tribunal emitiu seu parecer final. Embora o tribunal sustentasse o Canadá agiu razoavelmente em resposta à maioria das alegações levantadas pela empresa, com vistas à implementação do país do Softwood Lumber Agreement, no final o tribunal se pronunciou contra o Canada. No parecer aceita a alegação da empresa contra o comportamento das autoridades canadenses quando o governo canadense estava tentando verificar a adequação da Pope & Talbot aos requisitos do Acordo. Durante o período em questão, o Canadá sabia que estava sendo processado no NAFTA pela empresa e o tribunal concluiu que as relações entre a empresa e o governo canadense "apresentavam-se mais como um combate do que como uma regulamentação cooperativa". O tribunal achou que o Canadá agiu sem razão quando pediu a companhia que fornecesse informação para verificar a alocação de cota da companhia no Canadá em vez de aceitar a informação da central da empresa em Portland. O tribunal sustentou que estas e outras ações eram violações da garantia de tratamento eqüitativo e justo do NAFTA. Notícias de jornal indicam que a companhia está agora tentando receber US$80 milhões dos contribuintes canadenses.

IMPLICAÇÕES
Pacote "Justo e Eqüitativo"

O que está em questão é qual o tipo de conduta governamental que se caracteriza como e violação das garantias do investidor. O parecer, neste caso, sugere que a falta de polidez seria uma violação do NAFTA. Em submissão, numa audiência na corte doméstica canadense, no caso Metalclad, o Canadá apresentou um forte argumento de que disputas de investimentos bilaterais estabeleceram o precedente de que para que seja reconhecida a falta de padrão mínimo de conduta, é preciso que a conduta em questão seja flagrante e demonstre um "voluntária negligência "uma negligência intencional quanto aos deveres ou uma insuficiência da ação governamental que qualquer pessoal razoável e imparcial reconheceria como insuficiente." Para assegurar seu ponto de vista, o Canadá citou os numerosos casos do ICSID, onde a propriedade americana foi saqueada e destruída em outras nações por forças do governo em combate contra guerrilhas, argumentando que só em tais circunstâncias extremas é que um governo poderia ser responsabilizado. O tribunal da Pope & Talbot rejeitou esta formulação e focou-se na alegação de comportamento rude e excessivamente zeloso dos autoridades canadenses em suas tentativas de verificar as cotas da Pope & Talbot. O tribunal não encontrou violação da lei internacional nem da lei doméstica na conduta do governo. Entretanto, ao declarar que as ações das autoridades governamentais, neste caso, violam os "mínimos padrões de tratamento" garantidos pelo NAFTA para investidores estrangeiros, o tribunal expandiu o conceito de "tratamento justo e eqüitativo" para incluir quase todo comportamento que uma empresa possa considerar injusto, alargando o pacote do Artigo 1105 mais ainda do que nos tribunais anteriores.

SUN BELT versus BRITISH COLÚMBIA
Sun Belt Water, Inc. é uma companhia importadora e exportadora de água a granel baseada em Santa Bárbara, na Califórnia. No final dos anos 80, a Califórnia estava no meio de um seca, e a Prefeitura de Santa Bárbara e cidades vizinhas expressaram interesse em adquirir água a granel, descarregada por um navio tanque. EM 1990, Sun Belt reclamou que havia entrado em uma "joint venture" com uma firma canadense, a Snowcap Water Limited, que possuía uma licença limitada para exportar água a granel do Canadá. As companhias planejaram dar o passo sem precedentes de exportar água de rios e lagos da British Colúmbia para a Califórnia em navios tanques para carregamento de óleo, e pediram uma expansão da licença de exportar água.

INTERESSE PÚBLICO
Numa época em que a maioria da população mundial vive em áreas em que água doce é um recurso escasso, o Canadá detém 20% das reservas mundiais de água doce. Ao longo dos anos, vários investidores puseram um "olho comprido" nas vastas reservas de água do Canadá como um empreendimento potencialmente lucrativo. No início dos anos 90, o governo da Colúmbia Britânica emitiu seis licenças de exportação para um volume limitado de água e a Snowcap recebeu uma delas. Houve dúzias de pedidos semelhantes em seguida e essas e cresceu uma forte oposição popular contra a exportação de água. Muitos canadenses temiam que, se isso continuasse, a água viria a ser considerada como uma mercadoria sob o tratado do NAFTA, e assim os direitos do investidor e as regras relativas ao mercado de serviços incluiriam a água canadense. Se as necessidades de água para o próprio Canadá se ampliassem, o governo ficaria, nesse caso, impedido de limitar a quantidade de água que poderia ser exportada. Em 1991, o governo da Colúmbia Britânica, forçado pela pressão popular, foi obrigado a declarar uma "moratória" temporária quanto à concessão, continuidade ou ampliação das licenças para exportação de água. Essa medida temporária foi alongada e depois tornada permanente em 1995. Em 1993, a Sun Belt e a Snowcap processaram o governo de C. Britânica num tribunal doméstico canadense. Em julho de 1996 chegou-se a um acordo com a Snowcap que recebeu uma indenização de US$ 245.000, que já tinha uma licença que não poderia mais usar, mas nenhum acordo foi feito com a Sun Belt.

ATAQUE NAFTA
Em 12 de outubro de 1999, a Sun Belt entrou com uma reclamação junto a um dos tribunais NAFTA, pedindo indenização de US$ 10.5 bilhões, pela perda de ganhos que esperava no futuro, dada a perda permanente de uma oportunidade de negócios por causa da moratória sobre a água. Alega que se o governo Canadense indenizou a Snowcap pela perda da licença que já tinha, recusando-se a indenizar a Sun Belt estava violando o NAFTA que manda dar tratamento igual aos investidores estrangeiros e nacionais (Art. 1102), além de infringir a regra que diz que há um mínimo de "bom tratamento" que os países são obrigados a conceder aos investidores estrangeiros (Art. 1105). A ação da Sun Belt é provocativa: alega que o governo canadense pôs empecilhos a que ela entrasse com um processe em um tribunal canadense, e que "a burocracia do Ministério Público e de todo o governo da Colúmbia Britânica abriga criminosos" e que sua ação resultou na expropriação de seus "investimentos" que é proibida pelo NAFTA. Enfim, como a Sun Belt não pode alegar que a moratória sobre a água viola o NAFTA , pois foi assinada em 1991, portanto antes do NAFTA, tenta dizer que ela violou um tratado de livre comércio entre EUA e Canada, de 1989 e que depois foi incluído no NAFTA. A empresa ainda ampliou sua reclamação para incluir a moratória definitiva assinada em 1995.

RESULTADO
Ainda não há informação disponível.

IMPLICAÇÕES
Redução do controle sobre recursos nacionais.
O caso Sun Belt reforça a preocupação dos canadenses de que as regras do NAFTA sejam aplicadas à água - tornada mera mercadoria, como um bem, um serviço ou um investimento - o que teria amplas repercussões na questão ambiental para os governos de todos os níveis na América do Norte. Se a Sun Belt ganhar esse processo, isso prejudicará fortemente a capacidade dos governos canadenses de limitar a ação dos investidores estrangeiros que quiserem explorar comercialmente suas geleiras, lagos e rios.

"Empresas como a Sun Belt vêem a água como o petróleo do próximo século".
- Sarah Miller, Canadian Environmental Law Association, "National Organizations Urge Chretien to Ban Bulk Water Exports before It's Too Late," Council of Canadians, Press Release, Feb. 9, 1999.

Quem Paga: o Governo Federal ou o governo estadual?
Sendo o primeiro processo investidor versus estado, sob o Nafta, contra uma medida de um governo sub-nacional do Canadá, este caso estabelecerá um precedente segundo o qual serão julgados os futuros casos contra o Canadá. Embora somente os governos federais possam ser implicados em processos frente ao NAFTA, há questões críticas que continuam sem resposta a respeito de qual dos níveis de governo vai pagar as custas do processo e a indenização que pode ser concedida pelo tribunal NAFTA. Os governos federais têm muitas formas de tornar "reféns" os governos estaduais e locais de modo a fazê-los pagar a conta num processo NAFTA. Mas, no final das contas, seja qual for o nível de governo que faça o pagamento, será sempre dos bolsos dos contribuintes canadenses que sairá o dinheiro.

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Dos 15 casos que revisamos, quatro já concluídos resultaram em vitória das empresas multinacionais e 10 casos ainda estão pendentes. Apenas um caso, levantado pela Azinian, resultou em derrota para a empresa. Este caso específico foi acompanhado também por alegações de comportamento fraudulento e a maioria dos observadores considera este caso como "arquivado" e não propriamente uma vitória para o governo acusado. Com exceção do caso da Metalclad e da Adams, os outros casos que examinamos têm pouca ou nenhuma semelhança com confisco público de propriedade privada, contra o qual os partidários do NAFTA alegavam estar defendendo os investidores quando o acordo foi assinado em 1992. A maioria dos casos representa apenas uma série de alegações de "toma regulatória" (regulatory takings). Se esses casos fossem levados aos tribunais domésticos norte-americanos, as empresas teriam que enfrentar significativas barreiras legais. Além disso, certos casos, como o da UPS, parecem orientados estrategicamente para obter uma fatia maior de mercado, um fenômeno que Howard Mann, do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável descreveu como a transformação do Capítulo 11 "de escudo em espada".
É importante notar que, desde 1998, o Canadá tem feito pressão para que haja uma reforma ou um esclarecimento desse controverso capítulo do NAFTA sobre investimentos. Em 1999, um memorando confidencial do governo do Canadá propôs uma série de possíveis opções de reforma do texto, incluindo uma "nota interpretativa" e/ou um acordo entre os parceiros do NAFTA para transferir às empresas o ônus da prova de que as medidas governamentais eram "verdadeiramente expropriadoras".
Alarmado pela crescente lista casos contra o Canadá, o Ministro do Comércio canadense, Pierre Pettigrew anunciou dia 12 de março de 2001 que ele não concordaria com o texto da ALCA se não levar em consideração as preocupações do Canadá com esses casos de processos "investidor versus Estado". Porem, um mês depois, o Primeiro Ministro canadense, Jean Chrétien tornou as coisas menos claras ao sair de uma reunião com os presidentes Bush, dos EUA e Fox, do México, durante a Cúpula das Américas, declarando: "Acho que a cláusula funcionou razoavelmente bem, no NAFTA, entre o Canadá, o EUA e o México." Tentando consertar as coisas, mais tarde Pettigrew declarou ao parlamento Canadense: "Nós cremos que é imperativo que os investimentos sejam protegidos nos tratados de comércio, nós não vamos mexer no capítulo. Nós não estamos renegociando. Nós estamos querendo esclarecer alguns elementos para o futuro". Tanta conversa fiada sobre essa questão leva alguns observadores do NAFTA a crer que o Canadá está dando para trás nos seus esforços para reformar o capítulo 11. Em 11 de junho de 2001, o Centro canadense para Políticas Alternativas publicou um relatório argumentando que a pressão dos EUA está por trás dos comentários de J. Chrétien que revertem a posição longamente mantida pelo Canadá e dão "sinal verde" para mais processos "investidor versus estado".
Embora muitos observadores esperassem que, depois de ter que pagar 16 milhões de dólares à Metalclad, o México mudasse de posição quanto ao Capítulo 11, o presidente Fox parece ter cortado fora essas esperanças em abril, logo antes de embarcar para a Cúpula das Américas em Quebec. Numa entrevista ao The Globe and Mail , quando lhe perguntaram se estava a favor do movimento do Canadá para reformar o Capítulo 11, respondeu: "Neste momento não estamos a favor de se reabrirem as cláusulas do tratado de livre comércio, porque se abrirmos uma, teremos que abrir muitas".
Do lado estadunidense, o embaixador R. Zoellick, Representante Comercial, indicou que não aceitaria uma redução dos direitos regulatórios concedidos aos investidores pelo Cap. 11. Num encontro com ambientalistas, em abril de 2001, disse as recentes decisões dos tribunais NAFTA não o levavam a crer que as regras de processos de "investidor versus estado" precisassem de ser alteradas, e que se devia esperar para ver futuros resultados. Enquanto isso, grupos industriais norte-americanos pressionam o governo dos EUA para apoiar a ampliação de novos direitos para os investidores na ALCA.
Em julho de 2001, a Comissão de Livre Comércio, composta dos ministros de comércio das três nações membros do NAFTA, emitiu um "esclarecimento" relativo ao cap. 11. O NAFTA concede a essa comissão o direito de determinar a interpretação oficial das cláusulas do tratado se for matéria consensual na comissão.

O "esclarecimento" sobre o capítulo 11 refere-se a duas questões:
  • primeiro, em resposta às crescentes críticas ao caráter sigiloso dos processos, os ministros tentaram atender à demanda de publicação oportuna dos documentos dos processos NAFTA, mas seu texto ainda permite que o próprio tribunal decida quais os documentos que devem ou não ser publicados e quando. Mesmo depois desse "esclarecimento" a entidade "Public Citizen" não conseguiu obter a "declaração de queixa" da UPS contra o governo dos EUA, pois esse mesmo governo classificou-a como de interesse da "segurança nacional". Para obter esse documento de interesse público, Public Citizen teve que entrar com uma ação na Justiça, invocando o Ato de Liberdade de Informação.
  • segundo, o "esclarecimento" tentou interpretar o que significa "padrão mínimo de tratamento" do artigo 1104, limitando seus termos aos direitos e proteções da lei internacional "costumeira". O resultado é que, embora isso nos diga que a intenção é de dar-lhe uma interpretação tradicional, não se sabe que conjunto de leis está incluído, permitindo que, afinal, um critério extremamente vago e aberto possa ser usado para desafiar os esforços para proteger o meio ambiente e os interesses públicos.
Assim, emitindo esse "esclarecimento" limitado, os ministros do NAFTA se recusaram a lidar com as questões cruciais do Cap. 11 do NAFTA que já foram levantadas por legisladores e analistas políticos das três nações. A expressão "equivalente a (tantamount to) expropriação" usada no artigo 1110 do NAFTA é a que mais atrai críticas, mas o ministros se recusaram a precisar uma interpretação dessa expressão ou a limitar de qualquer forma o uso dessa cláusula, apesar da crescente tendência das empresas a interpretá-la de maneira cada vez mais vaga de maneira a incluir qualquer política doméstica no campo da saúde pública ou da defesa do meio ambiente como "toma ou confisco regulatório" equivalente a expropriação. "Preocupa-me o fato de que uma teoria da "toma regulatória" esteja sendo ressuscitada pelo capítulo 11 do NAFTA mesmo depois de já ter sido rejeitada pela jurisprudência da Quinta Emenda", escreveu em uma carta ao presidente Bush, de 30 de julho de 2001, o deputado E.B. Johnson (D-TX), que é um Democrata pro-NAFTA.
Do mesmo modo, os três ministros recusaram várias propostas, feitas por membros do Congresso dos EUA, de revisão dos processos ou das regras do capítulo 11 a fim de acrescentar uma proteção ao interesse público em vez de permitir que tudo seja tratado apenas como questão de negócios privados.
Membros do Congresso dos EUA também havia solicitado a inclusão de uma exceção geral ao capítulo 11, no sentido de proteger as leis domésticas relativas a saúde e meio ambiente que tratem igualmente os investidores domésticos e estrangeiros e buscaram um esclarecimento de que o NAFTA não permitisse maiores direitos de propriedade aos investidores estrangeiros do que aqueles que as leis concedem aos cidadãos americanos comuns. Os ministros do NAFTA também não deram atenção a essas questões.

A ALCA E A "TRILHA RÁPIDA (FAST TRACK)"
As negociações sobre a ALCA têm sido feitas a portas fechadas desde 1995. Essas portas apenas se entreabriram um pouco antes da cúpula das Américas de abril de 2001, quando vazou o conteúdo do capítulo da ALCA sobre investimentos. Refletindo o continuado conflito entre delegações nacionais ao grupo de negociações da ALCA, o rascunho do texto é cheio de parênteses e inclui várias versões propostas para muitos dos artigos. Infelizmente, a cópia obtida está rasurada, mostrando que tinham sigo apagadas as anotações à margem, que sempre acompanham qualquer texto de trabalho, não permitindo perceber-se quais das versões alternativas propostas tem mais chance de chegar à versão final, ou que países apoiam cada versão.
Entretanto, a análise do capítulo sobre investimentos no rascunho da ALCA mostra que se incorporam ou ampliam muitas das medidas do NAFTA e ainda acrescentam elementos do infame Acordo Multilateral sobre Investimentos (Multilateral Agreement on Investment - MAI). O MAI foi secretamente negociado por vários anos na Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OECD) , cujos trinta membros incluem EUA, Japão, Austrália e a maioria dos países da Europa Ocidental. Os países membros do OECD suspenderam as negociações quando uma cópia do MAI vazou para a sociedade civil e foi publicada na Internet em 1998. A condenação rápida e generalizada do acordo por parte de funcionários e cidadãos de todo o mundo afundou essa proposta de acordo.
Assim como o NAFTA e o MAI, o capítulo de investimentos da ALCA inclui definições excessivamente amplas de "investidor" e "investimento" e estabeleceria uma série de novos direitos e privilégios dos investidores, incluindo o direito de compensação por perdas, expropriações e tomas regulatórias, estabeleceria também restrições a políticas nacionais que visem conter ataques especulativos às moedas nacionais, tais como a regulamentação de transferências, e ainda proíbe exigências de desempenho (performance) dos investidores.
Tal como o NAFTA e o MAI, os conflitos relativos a esses direitos serão tratados em, tribunais privados semelhantes aos do NAFTA. Mas em muitos casos o texto da ALCA vai além do NAFTA e incorpora elementos do falido MAI. Por exemplo, as diferentes versões do capítulo sobre investimento vão da simples repetição do texto do NAFTA, que inclui a cobertura para 8 tipos específicos de recursos (assets), até versões que ampliam essa definição muito além do próprio MAI., como uma que propõe: "qualquer tipo de recurso ou direito de qualquer natureza, possuído ou controlado, direta ou indiretamente, por um investidor", teriam proteção da ALCA. Outra proposta diz que cada governo teria que "promover, em seu território, o investimento dos investidores de outra das Partes Contratantes (países)" o que significa exigir que os governos nacionais apoiem os interesses econômicos estrangeiros contra os interesses econômicos nacionais.
O afã de ampliar esses direitos das empresas multinacionais em âmbito hemisférico é que impulsionou a pressão para se conceder Autoridade para Trilha Rápida a Bush. Isto porque os partidários do Fast Track reconhecem que esses direitos e privilégios dos investidores estrangeiros enfrentarão forte crítica do próprio Congresso americano e dos cidadãos conscientes. Por isso, tirar o Congresso e o público do caminho, por meio da Fast Track, tornou-se necessário para fazer aprovar tais direitos na ALCA. O Congresso americano ficaria fora do andamento das negociações, restando-lhe apenas, no final, aprovar ou não texto final do acordo.

A "FAST TRACK"
o Delega, do Congresso para o Executivo, a autoridade para decidir sobre os termos de tratados internacionais de comércio durante as negociações.
o Permite que o executivo assine pactos e acordos parciais (que entrarão no acordo geral), fechando questões sem nem consultar o Congresso.
o Dá poderes ao Executivo para modificar leis federais, adaptando-as às exigências dos acordos.
o Pre-determina as bases dos procedimentos para apreciar a forma final dos acordos antes mesmo de iniciarem-se as negociações. O Congresso terá que votar em bloco seja lá o que for que o Executivo lhe traga, sem direito a emendas e com apenas 20 horas para debate. Esse procedimento tipo "ou tudo ou nada" permite que o Executivo faça aprovar medidas questionáveis, dentro do acordo geral, sem que o Congresso ouse derrubar todo o conjunto do tratado que pode incluir muitas medidas consideradas positivas.
A administração Bush alega que isso é necessário para o sucesso das negociações e aprovação dos acordos de comércio. Entretanto, desde sua criação sob o governo Nixon, em 1974, a Fast Track só foi usada 5 vezes. Clinton usou-a para fazer passar no Congresso o NAFTA e os acordos da Rodada do Uruguai que criaram a OMC. Porém, no mesmo período, a administração Clinton negociou mais de 300 tratados sem usar a Fast Track.
O único modo de garantir os interesses do público é manter no Congresso o poder de examinar detalhadamente os elementos de cada acordo.

RECOMENDAÇÕES
Se o NAFTA continuar a decidir em favor da empresas, contra os interesses públicos, a crítica ao NAFTA vai crescer e a questão vai pegar foco. Os governos do NAFTA não poderão mais, praticamente, regulamentar quase nada em seus países sem provocar processos de empresas estrangeiras mesmo levemente atingidas, a serem pagos com dinheiro dos contribuintes.
As regras sobre os direitos dos investidores no NAFTA têm de ser reescritas, e tal como são, não devem ser incluídas em futuros acordos. (...)
Além disso, há muito mais em causa do que apenas algumas reparos a fazer no NAFTA, porque o governo Bush já deixou claro que pretende estender esses direitos do investidor para todo o hemisfério ocidental através da ALCA.

Soberania e democracia na era de hegemonia norte-americana - Emir Sader
I. Nenhum tema importante do mundo contemporâneo pode ser entendido fora do marco da hegemonia norte-americana. Esta cruza de tal forma o plano econômico, tecnológico, comercial, financeiro, político, militar, informativo, midiático, de lazer - entre outros - que o que tentasse ser abordado fora desse marco, provavelmente seria enfocado mal, de forma insuficiente ou provavelmente de forma errada.
Trata-se não apenas da vitória de um dos contendores da guerra fria sobre o outro e do estabelecimento de sua hegemonia sobre o sistema internacional no seu conjunto, mas de uma nova modalidade de hegemonia, que se apoia no poderio econômico dos EUA - da sua estrutura produtiva a seu mercado interno -, é articulado por uma capacidade política e militar de intervenção e se multiplica pela rede de aliados e pelo sistema oligopólico internacional de informação e de divertimento, soldados por uma ideologia que se apropriou do conceito de democracia - redutivamente concebida como democracia liberal - e de seu suposto complemento - a economia capitalista de mercado. No seu conjunto, se reestrutura o sistema de poder em escala mundial, sob hegemonia norte-americana, definindo uma nova era na história da humanidade.
Nunca um império teve fronteiras tão extensas, nunca conseguiu organizar um bloco no poder constituído por nações tão poderosas como aliados, nunca dispôs de uma ideologia tão amplamente aceita e tão alimentada por uma máquina de propaganda tão universalizada. Esse poderio, por sua vez, busca articular formas de organização desregulada da economia, modalidades de especulação financeira, esquemas de super-exploração sem limites dos trabalhadores, valores egoístas e hedonistas, estilos de vida e de consumo - de forma a construir um mundo à imagem e semelhança do grande capital, monopolista e especulativo, funcional à sua reprodução sem travas.
O poder construído sobre esses pilares produz uma força internacional unificada - com contradições, é certo, como veremos mais adiante -, com estruturas orgânicas - o G7, a OMC, a OTAN, o FMI, O Banco Mundial, a AMI -, com comando centralizado, com ideologia hegemônica relativamente consolidada. Produz-se uma reunificação do mercado mundial, que busca sua legalidade e sua legitimidade na ideologia, na força militar e no monopólio dos meios de comunicação.
O mal-estar produzido por essa avalanche de mercantilização do mundo, depois de se ter acumulado subterraneamente nas mentes e corações de milhões de pessoas, explodiu à superfície em 30 de novembro, em pleno coração desse império, para não parar de crescer e de se diversificar, a ponto de, em pouco mais de um ano, modificar o cenário dos debates mundiais, arrancando a iniciativa das mãos dos ricos do mundo e de seus funcionários e instituições, para recolocar a necessidade de ruptura com esse mundo e de construção de um outro tipo de mundo.
Por isso estamos aqui, em Porto Alegre, já vitoriosos moralmente, porque portadores dos grandes temas que preocupam a humanidade no novo século, reconhecidos até pelo pensamento conservador como os fundamentais no mundo contemporâneo - a miséria no mundo e a natureza histórica da chamada globalização - o que, por si só, já significa uma vitória nossa, porque representa sua desnaturalização, a recuperação do seu caráter histórico, isto é, de fenômeno humano, construído pelos homens e, portanto, passível de ser desconstruído e reconstruido de outra maneira. Histórico e, portanto, nas mãos dos bilhões de homens e mulheres do mundo.
II. De que forma a nova hegemonia norte-americana no mundo afeta o tema da soberania, dos Estados nacionais, da questão nacional?
Sem fazer o rastreamento histórico desses temas, nos deteremos em particular no da soberania, entendendo que dele depende, em grande parte, não apenas a resolução do tema do novo caráter que devem assumir os Estados nacionais, mas também da realização do tema da identidade nacional.
Para que ganhe a abrangência que requer e seja instrumento na luta pela hegemonia política, a soberania tem que ser entendida não apenas como soberania nacional, mas como soberania popular, à qual está estreitamente vinculada numa concepção democrática radical, popular da história. Esta promessa democrática esbarrou sempre na visão reducionista do liberalismo, que buscou sustentar nos estreitos limites jurídicos e políticos do formalismo os fundamentos da democracia, circunscrevendo-a à natureza codificada dos regimes políticos, que terminaram não apenas esvaziando sua legitimidade, como tornando-se álibis de cobertura para a mercantilização das nossas sociedades - inclusive do próprio sistema político.
Ao erigir-se em defensor - propagandístico, econômico e militar - de seus valores e interesses, que moldam a nova ordem mundial, os EUA tornaram-se o baluarte de uma determinada concepção de soberania. O livre comércio e, dando-lhe cobertura, uma determinada visão do "humanismo" e da democracia, dão a base de sustentação de sua dominação, que se choca diretamente com a possibilidade de soberania dos outros Estados.
As intervenções militares norte-americanas dos anos noventa demonstram isso cabalmente, seja na África, no Oriente Médio ou na própria Europa. Além disso, as políticas econômicas norte-americanas - que combinam desregulação com manipulação dos organismos internacionais: da OMC ao FMI, do Banco Mundial à OTAN - violam sistematicamente os interessas nacionais dos distintos países - de que as relações no continente americanos são exemplo claro, do Nafta à Alca.
Ao condensar em sua hegemonia o monopólio militar, econômico, financeiro, tecnológico, dos meios de comunicação, os EUA impõem sua dominação imperial num sistema internacional cuja existência se erige em obstáculo à soberania nacional e à soberania popular de outros países, constituindo-se assim num obstáculo central à extensão e aprofundamento da democracia - política, econômica, social, cultural, informativa, tecnológica - no mundo do século XXI.
III. O modelo hegemônico atualmente vigente se apoia no deslocamento da esfera pública e na sua substituição pelas grandes corporações empresarias como sujeitos econômicos e políticos das nossas sociedades. Com isso, os direitos são substituídos pelo poder de compra no mercado, os cidadãos pelos consumidores, os países pelos mercados, a livre informação pela propaganda mercantil, os debates políticos pelas campanhas de marketing, as ruas e praças pelos shopping centers e pelos condomínios fechados, os comícios e concentrações populares pelos pronunciamentos televisivos, a soberania nacional pelos capitais financeiros desregulamentados, a soberania popular pela opinião pública fabricada pela mídia financiada pelos grandes capitais, o financiamento da produção e do consumo popular pela agiotagem especulativa.
Foi contra esse mundo mercantilizado que se levantou a nova opinião pública democrática do mundo, gritando que o mundo não é uma mercadoria, que o mundo não está à venda, que o essencial não tem preço. O que nos une, a todos, antes de tudo, é a luta contra a mercantilização do mundo. Contra a concepção e a prática de que tudo se vende, de que tudo se compra, de que o mercado e os seus preços manipulados definem o que se pode e não se pode fazer, o que é bom e o que é ruim, o que é belo e o que é feio, o que é justo e o que é injusto.
A própria soberania nacional passou a ser cotada no mercado. Os chamados "paraísos fiscais" - infernos da moralidade e da dignidade humana - são países que negociam sua soberania, alugam, vendem - como demonstram de maneira tão inquestionável, entre outros, o suíço Jean Ziegler. Mas mesmo naqueles Estados que pretendem impor sua concepção de democracia ao resto do mundo, a mercantilização invade toda a vida pública.
As empresas especulativas norte-americanas, que doaram 22,2 milhões de dólares à campanha de George W. Bush, cobram de seu financiado o incentivo à poupança privada e a baixa dos impostos. As empresas do setor tecnológico, que contribuíram com 7,7 milhões de dólares cobram o fim de qualquer forma de taxação da internet. Os laboratórios farmacêuticos, que doaram 4 milhões de dólares e gastaram mais de 40 milhões em campanhas temáticas a favor de Bush, se reivindicam o direito de assumir o controle dos planos de saúde para os idosos. Além disso, Bush nomeou um dirigente do laboratório farmacêutico Eli Lilly & Co. para dirigir a oficina do orçamento na Casa Branca. O setor energético, que colaborou com 9 milhões de dólares, já recebeu a contrapartida, com a decisão do novo presidente dos EUA e liberar a exploração de petróleo e de gás em todo o território federal, incluído o Alasca, vencendo a oposição dos ecologistas.
Essa privatização do Estado é acompanhada pela sua financeirização. Sabemos como no Brasil os maiores contribuintes para as campanhas presidenciais do atual presidente brasileiro foram os grandes bancos, que foram beneficiados com o maior programa de assistência econômica do governo, num jogo promíscuo de troca de favores e de cristalização de interesses justamente do setor mais parasitário do capitalismo - aquele que não financia prioritariamente investimentos produtivos e consumo popular, mas vive das mais altas taxas de juros oferecidas pelos papéis do governo brasileiro. O único compromisso indiscutível de um governo como esse termina sendo o pagamento dos juros da dívida, ao que se subordina todo o resto - a começar pelas necessidades básicas da massa da população, que nem financia nem é destinatária dos principais esforços do governo.
Gera-se assim um mecanismo vicioso, redondo, fechado sobre si mesmo, em que os governantes são explicitamente financiados pelos ricos e governam explicitamente para os ricos. A arte de governar fica reduzida, de forma bastarda, a atender os interesses dos capitais que financiam os governos, com a complacência e a legitimação oferecidas pela grande imprensa, com seu discurso economicista e ventríloquo das grandes fortunas. O poder público fica completamente desfigurado como instrumento da soberania nacional e popular.
IV. A soberania nacional não pode ser pensada hoje, num marco de extensa internacionalização econômica, nem no marco estritamente nacional, nem nos marcos do liberalismo político como modelo de organização do Estado e do poder. Duas direções são essenciais para os que lutam pela democratização do poder, em escala local, nacional e mundial.
Um deles é o da socialização do poder e da política. Como dizia Gramsci, existem dois tipos de políticos: os que lutam pela consolidação da distância entre governantes e governados e os que lutam pela superação dessa distância. Os primeiros se circunscrevem nos limites estritos dos modelos liberais e, numa época em que a mercantilização invade todas as esferas e faz da própria política um mercado - como deseja George Soros, para quem o mercado seria mais democrático que as eleições, esquecendo-se que o poder de compra define desigualdades fundamentais - acentuam a perda de legitimidade e de representatividade dos sistemas políticos liberais.
Os segundos trabalham na direção de estender e aprofundar a participação política, promovendo a socialização da política e do poder mediante políticas como as do orçamento participativo. Esta promove simultaneamente a inclusão política e a inclusão social, cuja solidariedade é indispensável tanto para uma quanto para a outra. Trata-se de um instrumento essencial para a reforma democrática do Estado, para a reformulação radical das relações entre Estado e sociedade, avançando na direção da soberania popular.
A afirmação desse tipo de política, no entanto, como reflexo de seu potencial democrático radical, se choca com as políticas nacionais de ajuste fiscal, que buscam sufoca-la pelo lado das restrições crescentes aos orçamentos estaduais e municipais, na tentativa de inscrever legalmente políticas de restrição aos gastos públicos - que na prática significam debilitamento da capacidade de atendimento das demandas sociais das camadas populares. Assim, a possibilidade de afirmação de espaços de soberania popular mediante políticas como o orçamento participativo se chocaram cada vez mais com as políticas econômicas liberais, dependendo portanto, para sua consolidação e extensão, da derrota dessas políticas e da posta em prática de políticas que, ao contrário, privilegiem o mercado interno de consumo de massas como mecanismo reativador da economia e integrador socialmente.
V. A segunda direção é a da integração internacional soberana dos Estados nacionais que, nos marcos atuais de internacionalização da economia e do poder político, só pode se dar através de alianças regionais e internacionais. Vale a pena deter-nos um pouco nos problemas colocados para os países da América Latina, porque de alguma forma refletem os desafios, os dilemas e as possibilidades para os países da periferia do capitalismo - aqueles que têm sua soberania mais diretamente comprometida - de realizar sua soberania ou de ser condenado a consolidar sua integração subordinada.
Espaço privilegiado de hegemonia norte-americana ao longo do século XX, a América Latina conseguiu protagonizar uma das grandes transformações históricas desse século, com a industrialização de várias de suas economias, envoltas em projetos nacionais, que produziram níveis de soberania para esses países. A crítica da teoria do comércio internacional e a posta em prática de políticas de industrialização substitutiva de importações tornaram possíveis transformações econômicas, cujos efeitos sociais, políticos e ideológicos terminaram esgotando-se conforme o processo de internacionalização das economias - acompanhado, em vários países, de ditaduras militares - se impôs.
Na etapa mais recente, de reorganização da economia mundial em torno dos três mega-mercados mundiais, os países da periferia do capitalismo tiveram suas condições de inserção internacional debilitadas. O Mercosul significou o único espaço de integração regional fora do hemisfério norte - isto é, integrado por países da periferia do capitalismo. A estratégia norte-americana era a de assimilação gradual dos países do continente ao Nafta, para o qual o Chile já havia sido cooptado como próximo sócio. A crise mexicana de 1994 bloqueou esse projeto, conforme o Congresso norte-americano tirava o poder de negociação com a "via rápida" do executivo dos EUA.
Foi naquele momento que Washington mudou de tática, retirando da gaveta o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Tendo ganhado tempo e espaço, o Mercosul se consolidou regionalmente e estendeu sua influência, avançando na integração do Chile e da Bolívia, enquanto negociava com os países do Pacto Andino em crise.
Porém, como as políticas econômicas liberais não são integradoras e, assim, não promovem a integração soberana mas, tratando-se de países periféricos, formas de integração subordinada, havia uma crise embutida, que terminou explodindo conforme se deu a desvalorização da moeda brasileira, em janeiro de 1999. A partir dali se desviaram os interesses dos dois países mais importantes - Brasil e Argentina -, com políticas cambiais diferenciadas e administração irresponsável do seus conflitos.
Ao mesmo tempo se aproximava a data de assinatura dos acordos finais da Alca - a ser definidos em abril de 2001 em Quebec - e a possibilidade de uma vitória republicana na sucessão norte-americana - com a conseqüente recuperação pela Casa Branca da "via rápida" -, os conflitos internos levaram o Mercosul - tal como existiu até hoje - a uma situação terminal, com o isolamento do Brasil - que reagiu tardiamente à nova situação - e a adesão da Argentina - pressionada por uma situação insustentável de sua política de paridade monetária - e do Chile a um adiantamento da data de entrada em vigor da Alca de 2005 a 2003.
Com isso se consolidaria a hegemonia norte-americana sobre o conjunto do continente e assim diminuiriam as margens de manobra de todos ao países latino-americanos para afirmar sua soberania, conforme perdem o instrumento do Mercosul e se submetem à Alca. Ficariam restritas igualmente as possibilidades de alianças internacionais diferenciadas por parte dos países latino-americanas como, por exemplo, em relação à União Européia e ao sudeste asiático, bem como alianças como países do sul do mundo, igualmente excluídos dos mega-mercados, principalmente a China, a Índia, a África do Sul, o Irã, entre tantos outros.
Romper com essa dinâmica - que sepultaria qualquer possibilidade de autonomia por parte dos países latino-americanos - supõe não apenas rechaçar as propostas de adiantamento das datas de colocação em prática da Alca, como igualmente rejeitar no seu conjunto a idéia de uma área de livre comércio das Américas, pelo que significa de subordinação à hegemonia absoluta dos Estados Unidos sobre o conjunto do continente - uma espécie de realização, nos termos contemporâneos, da Doutrina Monroe.
Significa, simultaneamente, um novo projeto de integração latino-americana, assim como uma política de alianças com os países da Ásia e da África, para redefinir as condições de inserção internacional - incluídas alianças com os três mega-mercados mundiais - tanto da América Latina como de todos os países do sul do mundo, a partir de uma posição de força, unificada, que ao mesmo tempo proponha relações de cooperação e de solidariedade como normas de uma nova ordem mundial.
VI. A soberania nacional se tornou, com o chamado processo de globalização, indissociável da soberania política e, portanto, da democracia, do processo de auto-emancipação dos homens, tornados cidadãos. Não haverá soberania política sem democratização do poder do Estado e do poder político.
Qualquer avanço democrático no mundo de hoje se choca com o processo de mercantilização que atravessa tudo, movido pelo apetite irrefreável de lucro das grandes corporações internacionais. Essa mola mestra da acumulação do capital - que hoje canaliza o essencial de seus recursos para viver da parasitária especulação financeira, às custas das políticas que privilegiam a estabilidade monetária por sobre os interesses fundamentais da grande maioria da população mundial - se choca com os valores sociais, políticos, morais, culturais que sustentam o humanismo e a solidariedade humana.
Ser soberano, ser senhor do seu destino, ser sujeito da história e da sua vida cotidiana, significa, para a humanidade, romper com os ditames do lucro, do mercado, da acumulação irrefreada de riquezas materiais às custas do trabalho, da cultura, da natureza, da ética. Quem não quiser falar de capitalismo (e de anti-capitalismo) deve calar-se sobre temas como soberania e democracia. Quem, por outro lado, quiser lutar pela soberania nacional e popular, pela democracia, pelo humanismo - tem que se alinhar na luta anti-capitalista, na luta por um mundo guiado pelas necessidades materiais e espirituais de toda a humanidade.
* Jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB e editor da revista Debate Sindical.



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